terça-feira, 24 de maio de 2011

O desespero em horário nobre

(Alberto Gonçalves - DN)




Nunca achei que a destreza oratória constituísse um bom critério de avaliação dos políticos, que por mim podiam ser mudos sem grande prejuízo. A generalidade dos nossos comentadores discorda. Às vezes, os comentadores parecem julgar os candidatos eleitorais apenas pela lábia, opção a que têm direito mas à qual deviam conceder algum rigor.

Repare-se, a propósito, no mito erguido em volta de José Sócrates. De acordo com a maioria da opinião publicada nos últimos anos, o eng. Sócrates é insuperável em debates televisivos. Ninguém explica porquê: o homem é insuperável e pronto.

Curioso, na medida em que eu, que sou distraído, já vi o invencível eng. Sócrates perder debates. Na campanha em curso, então, vi-o perder dois dos primeiros três (Jerónimo, uma simpatia, não conta) e afundar-se embaraçosamente no quarto e último, por acaso o que lhe interessava. Após o enxovalho de sexta-feira, os estúdios dos diversos canais encheram-se de convidados que se confessavam surpreendidos pela prestação de Pedro Passos Coelho.




Se Passos Coelho surpreendeu foi por afirmar aquilo que o esquecimento ou uma desvairada estratégia o levaram a calar durante demasiado tempo: o eng. Sócrates, e não ele, governou o país nestes seis anos; o eng. Sócrates, e não ele, arrastou-nos para a presente miséria; o eng. Sócrates, e não ele, deu suficientes provas de incompetência; o eng. Sócrates, e não ele, recusa aceitar um mero esboço da realidade; etc. Afinal, bastava insistir nas evidências para demolir o mito.

Pela parte que lhe toca, o mito meteu dó. Ao longo de uma penosa hora, o eng. Sócrates revelou as costuras de um método que só funciona na cabeça dos devotos. Na forma, o recorreu a truques que envergonhariam uma criança: as frases feitas e repetidas à exaustão (género "Isto é gravíssimo!", "Isto é demasiado importante!" e "Jamais virei a cara às dificuldades!"), as expressões de choque simulado, os sorrisos estudados e, fruto de menos estudo, as típicas interjeições de desagrado e impaciência.

No conteúdo, a coisa infantilizou-se ainda mais. O universo do eng. Sócrates é habitado por recorrentes bichos papões, da crise internacional às agências de rating, passando pela oposição malvada que rejeita o prodigioso PEC IV. Nada do que acontece é culpa dele, uma alma cândida que desalmadamente se empenha em prol do bom comum e fecha os olhos à destruição que semelhante empenho provoca. Descontada a componente trágica, é engraçado ouvi-lo jurar que Portugal precisa de pessoas responsáveis, não de aventureiros. De qualquer modo, este não é um mestre da retórica e da "comunicação": é um sujeito desesperado.

E será a imagem desse desespero a sobreviver a um confronto a que, para descanso de ambos os participantes, faltaram questões vitais (a reforma autárquica, a Justiça), e onde, para conforto do eleitor médio, Passos Coelho realizou uma deprimente defesa do falecido Estado "social". No auge da agonia, o eng. Sócrates decidiu martelar na extraordinária ideia de que criticar o PS é criticar o país, instâncias que confunde há muito. No dia 5 verificaremos se a pretensão tem fundamento. Se depender do debate, não tem.

[...]

Quarta-feira, 18 de Maio

Lágrimas

O princípio da igualdade está na Constituição, não na vida. Alguns portugueses podem emitir delírios impunemente. Outros portugueses nem sequer podem constatar uma evidência. Alguns repetem de cinco em cinco minutos que a crise nasceu com a rejeição do PEC IV, ou que sem o TGV o país é cirurgicamente removido da Europa, ou que os porcos pedalam bicicletas. E ficam impunes. Outros correm sérios riscos mesmo quando dizem uma verdade.

Pedro Passos Coelho pertence ao segundo grupo. Um destes dias, o líder do PSD sugeriu que o programa Novas Oportunidades "certifica a ignorância" e foi trucidado. O eng. Sócrates, a voz embargada e a hipocrisia solta, acusou-o de "de insultar os 500 mil portugueses que obtiveram com o seu esforço e coragem uma melhoria das suas habilitações". O isento presidente de uma Agência Nacional para a Qualificação (ANQ), o penduricalho institucional que gere o programa, acusou-o de "desconhecimento" e "irresponsabilidade". A sra. ministra da Educação acusou-o de "desfasamento da realidade". A imprensa gritou "escândalo".

Removido o simulado chinfrim, um pedestre aproveitamento eleitoral, toda a gente sabe que as Novas Oportunidades constituem a maior fraude de um sistema educativo repleto de fraudes. Ninguém ensina nada, ninguém aprende nada, os formadores arranjam um emprego deprimente e os formandos contam "histórias de vida" e adquirem um papel cuja única utilidade é a de manter empregadores à distância.

Dadas as peculiaridades do seu próprio percurso académico, supõe-se que o eng. Sócrates seja sincero quando chama esforçados e corajosos aos frequentadores das Novas Oportunidades, os quais, na impossibilidade de enviar as "histórias de vida" por fax, têm de se arrastar até uma sala melancólica. Mas aí deveria terminar a tolerância e começar o autêntico escândalo.

Escandalosa é a simpatia, ou no mínimo a indiferença, dedicada a um logro que envolve centenas de milhares de criaturas. Escandalosa é a exploração das criaturas para embelezar as estatísticas e servir a propaganda. Escandalosas são as lágrimas (lágrimas, santo Deus) do eng. Sócrates quando evoca as criaturas. Escandaloso é o recurso a meios públicos para arregimentar criaturas a fim de testemunharem nos comícios do PS (aconteceu pelo menos em Vila Franca de Xira). Escandaloso é o país que admite isto, não as afirmações do dr. Passos Coelho, que por uma vez acertou em cheio. Se compararmos com a concorrência, acertar uma vez já não é mau. As dores da concorrência provam-no.

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