sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

E para acabar 2010...

The GAVE affair

Os mesmos sujeitinhos que deitaram um foguetório com um estardalhaço dos diabos quando sairam os resultados do PISA são os mesmos que agora estão caladinhos com os resultados do GAVE.

E já agora: não foi o GAVE quem controlou ambas as provas?

Já há boatos que quem divulgou isto é um ressabiado das fusões dos departamentos do Ministério da Educação...

Mas quanto aos resultados não me venham dizer que eu é que tenho teorias da conspiração sem fundamento.

Sabem que mais?

Até 2011.



(em http://www.indianpublicholidays.com/)

quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Fazer pela vidinha




O "sensato" conselho de Cavaco Silva para comermos e calarmos de modo a que "os nossos credores" não se zanguem connosco e nos castiguem com juros cada vez mais altos espelha uma cultura salazarenta de conformismo que, sendo muito mais antiga que Cavaco, ele representa na perfeição, até nos seus, só na aparência contraditórios, repentes de arrogância.

Quando Cavaco nos recomenda que amouchemos pois "se nós lhes [aos 'nossos credores'] dirigirmos palavras de insulto, a consequência será mais desemprego para Portugal", tão só repete, adaptada à actual circunstância, a "sensata" e canónica fórmula do "Manda quem pode, obedece [ no caso, cala] quem deve".

Trata-se de uma atávica cultura em que a vida é vidinha, a crítica deve sempre ser "construtiva" e colaborante, os trabalhadores, por suave milagre linguístico, se tornam "colaboradores" (e se colaboracionistas melhor ainda) e servilismo e acriticismo são alcandorados a virtudes cívicas. Porque é assim que se faz pela vidinha, de joelhos.

Estejamos, portanto, gratos às "companhias de seguros, fundos de pensões, fundos soberanos, bancos internacionais e cidadãos espalhados por esse mundo fora" que nos emprestam dinheiro a juros usurários, pois eles apenas querem o nosso bem. E, como o bom Matateu numa famosa entrevista a Baptista Bastos, digamos tudo o que quisermos, excepto dizer mal, "porque [cito de cor] Matateu não diz mal de ninguém".

do lado "não"

Mais um "post" de José Eduardo, com música de Michael Nyman



"E então...



Podias parar, olhar, apreciar.


Porque não?!"

Nunca há tempo... "o" tempo...



http://adversus-omnes.blogspot.com/2010/12/do-lado-nao.html

(imagem "roubada" deste site acima)

terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Leis por medida




Têm os partidos políticos o esquisito privilégio de decidir em causa própria, determinando, por exemplo, quem lhes suporta as despesas e lhes paga os calotes.

E, sabendo-se que na redacção da nova lei de financiamento partidário esteve envolvido o deputado Ricardo Rodrigues, do PS, o da "acção directa" sobre gravadores alheios, não surpreenderá que ela preveja a "acção directa" sobre o Orçamento de Estado para pagamento das tropelias financeiras de partidos e seus dirigentes.


Assim, a partir de agora e de Ricardo Rodrigues (e, faça-se-lhe justiça, de Luís Montenegro, do PSD), quando um dirigente partidário atropelar a lei e for, em virtude disso, punido pelo Tribunal Constitucional, passa a poder meter o custo da coima nas "despesas" do partido a facturar, ao menos parcialmente, aos contribuintes.


Por outro lado, a nova lei (que mereceu o canónico "contrariado mas promulgo" do actual PR) permitirá ainda que os partidos aceitem donativos dos seus candidatos a deputados, abrindo as portas ao mercado, que se adivinha florescente, da compra e venda de lugares elegíveis. Talvez, quem sabe?, vejamos em breve por aí anúncios do género: "Seja deputado da Nação pelo preço X, o mais baixo do mercado; descontos para grandes quantidades".


E talvez comece a ficar mais em conta, aos grupos económicos do regime, ter empregados a tempo inteiro na AR do que em eventual regime de prestação de serviços.

segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

O que é que você comprava a este homem?

(A imagem consta do site de Ramiro Marques e parece ter sido retirada do DN ou é alguma foto oficial, não sei!...)

Um apartamento? Um automóvel, mesmo em segunda mão? Um telemóvel? Um tapete? O quê?

Tenho muita dificuldade em respeitar (para além do que a pessoa como ser humano exige) quem surge com esta pose. Olhem bem! Não lhes parece que ele está a gozar com a gente?

O homenzinho disse ao DN que sair desta m... (desculpem...) crise  "não é só tarefa para quem governa", mas é "tarefa de um país".

Para destruir Portugal, o homenzinho não precisou de ninguém, agora que já pouco temos, precisa de todos.

Claro, para fazer a m... (desculpem, outra vez) basta o homenzinho e os seus muchachos, mas para a limpar, trabalhando e fazendo sacrifícios, estamos aqui nós, lorpas ou masoquistas, já não sei bem.

E como li num blogue:

"Se fosse na China, tiravam-lhe a tosse.
Se fosse na Islândia estava com um processo às costas.

Em Portugal vai ser condecorado, ter o nome numa rua, um busto no Jardim Zoológico (que é realmente para onde devia ir de imediato) e assento no Conselho de Estado."

Espelho meu... e as maravilhas da Matemática

(JN)



1
Já tínhamos o campeão antifascista, depois apareceu o da pobreza, agora temos o campeão da honestidade. Que é como quem diz que a campanha presidencial em curso se arrisca a ser citada apenas por acessos de narcisismo - no breve rodapé a que terá direito nos futuros livros de História.

O primeiro momento foi protagonizado por Manuel Alegre, candidato do PS e do BE, que criticou Cavaco Silva, o candidato do PSD e do PP, por este ter ido à PIDE atestar o seu bom comportamento. Ao contrário de Alegre, que não deixa passar uma oportunidade para lembrar que foi um resistente. Diz-me, espelho meu, há alguém mais antifascista do que eu?

O segundo foi de Fernando Nobre, candidato da AMI, que querendo à força mostrar que é o grande paladino da luta contra a pobreza, se virou para Francisco Lopes, o candidato do PCP, e lhe descreveu a cena da criança que corria atrás da galinha com o objectivo de lhe roubar o pedaço de pão que levava no bico. Diz-me, espelho meu, há alguém mais amigo dos pobres do que eu?

O terceiro foi da autoria de Cavaco Silva, zangado com as insinuações de Defensor Moura, candidato de Viana do Castelo, sobre as negociatas do BPN, garantindo que está para nascer o português mais sério do que ele. Aliás, e para que não haja dúvidas, para se ser mais honesto do que Cavaco seria necessário nascer duas vezes. Diz-me, espelho meu, há alguém mais honesto do que eu?

E a isto se resume a campanha para as eleições presidenciais. Ninguém está interessado nos candidatos, nem no que têm para dizer, nem nas eleições a que vão concorrer. E os candidatos aparentemente ainda não repararam, tão fascinados andam a olhar para o espelho.


2
Há duas formas de olhar para o folhetim do salário mínimo nacional. Se o fizermos por um dos lados do espelho, poderemos anunciar, como faz o Governo, a boa-nova de um aumento de 475 para 485 euros. Sempre são 10 euros, ou seja, 45 cêntimos por cada dia de trabalho [contas feitas a oito horas de jornada em 22 dias úteis].

Mas podemos olhar pelo outro lado e perceber que, afinal, o que há é uma diminuição do salário mínimo nacional, de 500 para 485 euros. Porque já estava decidido, assinado e anunciado há mais de um ano que seriam 500. O que Governo decidiu foi, portanto, um corte de 70 cêntimos por cada dia de trabalho.

Mas há ainda uma terceira forma de olhar para este folhetim. Faz-se uma conta igualmente simples, dividir 485 euros por cada um dos 30 dias do mês, dá pouco mais do que 16 euros para sobreviver. Para que todos nos lembremos que o sinónimo de salário mínimo é pobreza máxima.

sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

Boas Festas




"Estado Social" - o que é?



As últimas (?) notícias acerca do "Estado Social" vêm do Tribunal de Contas, que ontem divulgou o parecer sobre a Conta Geral do Estado de 2009: 97% dos 2 200 milhões de euros afectados no ano passado pelo Governo ao combate à crise foram parar ao bolso sem fundo da banca (61%) e às empresas (36%); já com os apoios ao emprego, o "Estado Social" gastou... 1%. Como Guterres diria, é só fazer as contas.


Mas, se foi assim em 2009, as notícias de 2010 são igualmente esclarecedoras. De acordo com dados do Ministério das Finanças citados pelo DN, o Governo estará por fim a conseguir reduzir o défice público (assim terá acontecido em Novembro), e isso graças, principalmente, "aos cortes nos apoios sociais a desempregados e crianças".


Entretanto Portugal alcançou já um honroso 2.º lugar no pódio dos países com maiores desigualdades sociais na UE e há hoje mais de 300 000 portugueses (entre eles milhares de crianças, que comem diariamente uma única refeição que lhes é servida na escola) a passar fome e dependendo, para sobreviver, de instituições como o Banco Alimentar, a Legião da Boa Vontade e outras, ou das espontâneas iniciativas de solidariedade que cidadãos anónimos, contando exclusivamente consigo, vêm promovendo um pouco por todo o país.


É talvez, pois, altura de a Ciência Política e o Dicionário da Academia reverem em conformidade a definição do que seja essa coisa de "Estado Social".

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Pai Natal a crédito




Ao que consta, o Pai Natal anda a fazer poupanças por esse Mundo fora. Mas em Portugal terá de continuar a gastar sem limites. Tem de satisfazer as vontades dos meninos portugueses, que a publicidade infantil massiva transformou em verdadeiros autómatos consumidores. E, mesmo quando o dinheiro acaba ao Pai Natal, há sempre empresas de crédito ao consumo dispostas a sugarem-lhe os recursos, através de empréstimos agiotas.

As crianças portuguesas e as suas famílias estão completamente indefesas, à mercê desse vírus social que é a publicidade infantil. O seu principal veículo é a televisão e a sua eficácia resulta das cerca de 20 horas que os miúdos passam por semana em frente ao pequeno ecrã. São quase três horas por dia, mais do que convivem com os pais ou os irmãos. Como as crianças não filtram a comunicação publicitária, assumem todas as mensagens como verdadeiras e convertem-se em consumidores compulsivos. E este efeito é tanto mais forte quanto mais desfavorecido é o meio socioeconómico. Adivinho a angústia de cada um dos pais que se vêem coagidos a comprar o brinquedo da moda, cujo preço represente mais de um terço do seu salário. Cede.

Se o dinheiro acabou, recorre em desespero ao crédito fácil. Fácil de obter... mas difícil, muito difícil, de pagar. As empresas de crédito ao consumo, que prometem o paraíso, lançam as pessoas num inferno. Anunciam taxas de juro já de si elevadas, da ordem dos nove por cento. Mas, na prática, fazem acrescer às taxas comissões, seguros, impostos e outros assaltos. Obrigam assim os clientes ao pagamento duma taxa anual efectiva de encargos, a famosa TAEG, da ordem dos 30 por cento. Em famílias de escassos recursos, estes empréstimos aniquilam a economia doméstica, destroem o equilíbrio familiar.

Nós, pais natais de Portugal, exigimos ao Pai Natal que para o ano proíba a publicidade dirigida a crianças com menos de 14 anos, à semelhança do que acontece nos outros países europeus. E ainda que extinga, por justo decreto, todas as dívidas cujas taxas sejam obscenamente elevadas.

Para que a alegria das crianças não se transforme, a prazo, na tristeza dos pais.

sábado, 18 de dezembro de 2010

O rei vai mesmo nu?

Meus caros leitores e leitoras:

A tia Maria tem estado adoentada. Este tempo friorento e a falta de dinheiro para o aquecimento colocam-na cama. Melhor que nada!

Fui vê-la. Sorriram-se-lhe os olhos. Ó menino, por aqui? Menino!... Era tão bom sê-lo. E saber o que sei hoje, diria a minha mãe...

Diz-me ela: Qual é a lei mais importante de Portugal? A Constituição, claro! Ai é, menino? Ora responda-me lá!...

Portugal é uma República soberana, baseada na dignidade da pessoa humana e na vontade popular e empenhada na construção de uma sociedade livre, justa e solidária ?

A República Portuguesa é um Estado de direito democrático, baseado na soberania popular, no pluralismo de expressão e organização política democráticas, no respeito e na garantia de efectivação dos direitos e liberdades fundamentais e na separação e interdependência de poderes, visando a realização da democracia económica, social e cultural e o aprofundamento da democracia participativa.?A soberania, una e indivisível, reside no povo, que a exerce segundo as formas previstas na Constituição.?





O Estado subordina-se à Constituição e funda-se na legalidade democrática. ?

A validade das leis e dos demais actos do Estado, das regiões autónomas, do poder local e de quaisquer outras entidades públicas depende da sua conformidade com a Constituição.?

Ó Ti'Maria, lembrei-me agora, tenho que ir pôr umas cartas no correio. Depois falamos!... E fugi.



quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

A uma voz





Ontem, ao fim da manhã, o presidente da CIP anunciou ao país que o Governo iria, em Conselho de Ministros extraordinário a realizar nesse dia, aprovar a diminuição do valor das indemnizações a pagar pelo patronato aos trabalhadores em caso de despedimento e que essas regras se aplicarão apenas a "novos contratados".


À tarde, em conferência de Imprensa, o Governo revelou ter aprovado um tecto para as indemnizações a pagar em caso de despedimento, com essas regras a aplicar-se apenas a novos contratados.


De manhã, o presidente da CIP anunciou que a contratação colectiva iria ser alargada às comissões de trabalhadores "em empresas com mais de 200 ou 300 pessoas".


À tarde, o Governo deu conta da aprovação do alargamento da contratação colectiva às comissões de trabalhadores em empresas com mais de 250 pessoas. O Governo não justificou, mas não era preciso, pois o presidente da CIP já o tinha feito horas antes: "Os sindicatos têm-se mostrado pouco disponíveis para acolher novas ideias e soluções".


De manhã, o presidente da CIP anunciou ainda medidas de reabilitação urbana, de apoio à exportação e de combate à economia paralela. À tarde, o Governo confirmou.


Resta perceber se é o presidente da CIP o porta-voz do Governo ou se é o Governo o porta-voz da CIP. Ou então (hipótese não descartável) se haverá no Governo algum espião da CIP. Talvez o internacionalmente famoso 007 do BCP.

terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Cá por mim vou deixar de ler jornais...

(JN)


Esta crónica é feita a partir de notícias de jornais. Em poucos dias, o JN titulou: «Banco Alimentar bateu recorde de ajuda a pobres», «Cantinas de Gaia dão quatro refeições por dia a 14 mil crianças», «Igreja já não tem dinheiro para ajudar os pobres», «120 mil portugueses ganham menos que o salário mínimo», «Mais desemprego e forte recessão espreitam em 2011», «Pobreza já afecta mais de 500 mil trabalhadores», «12% da população activa não ganha o suficiente para sustentar a família». E etc..

Este é um dos lados do espelho da realidade nacional de momento. Do outro lado do espelho, temos notícias sobre membros do Governo que chamam para desempenho de funções oficiais gente da sua cor política ou ex-sócios em empresas particulares. Temos uma assessora de uma ministra que ganha mais do que esta própria, administradores de uma fundação que auferem ordenados superiores aos do PR e do PM e aquele «superboy-superstar» de que se tem falado muito (e mal...) e que, em sete anos, viu a sua remuneração aumentada em... 1329%! Temos notícias atrás de notícias do chamado caso Face Oculta, um lamaçal autêntico de venalidade e compadrio em que é impossível mexer sem sentir náuseas.

O primeiro grupo de títulos e notícias leva-nos a temer que a fome arraste mais gente para o crime violento, a prostituição e o tráfico de droga. O segundo grupo faz-nos recear que a revolta vá crescendo no íntimo dos portugueses até explodir de qualquer maneira.

Como não acredito em homens providenciais, não me preocupo tanto como muitos se preocupam em saber quem será o próximo presidente e a sigla do próximo Governo. Porque, para mim, não é por aí que sairemos do atoleiro.

E como é? Eu não sei! Mas, para não cair no desespero absoluto, descobri uma saída: vou deixar de ler jornais....


Ramiro Marques no seu blogue (www.profblog.org) mostra uma cadeira que acabara de comprar e diz (a ênfase é minha, como de costume, embora não concorde com tudo o que ele diz, mas ficará para outra ocasião):




O ano em que eu cheguei à conclusão de que não me resta alternativa senão leccionar até aos 70 anos de idade. O preço que eu tenho de pagar para sustentar os maiores beneficiários do Estado Social (ista): os jovens reformados com pensões milionárias.

Sim, estou a referir-me, por exemplo, aos políticos, quer os que se sentam no Parlamento quer aos edis, quase todos jovens reformados disto e daquilo, por esta e por aquela razão. Refiro-me também às professoras do 1º CEB e educadoras de infância que, até há pouco, gozaram de um regime de excepção que lhes permitiu aposentarem-se com 32 anos de serviço, 52 anos de idade e valor da pensão por inteiro (cerca de dois mil e oitocentos euros ilíquidos). E também aos jovens aposentados ou pré-aposentados de empresas públicas como a EDP, a REN e a CP ou com participações do Estado como a PT, que gozam as delícias da aposentadoria aos 50 anos de idade e ganharam o direito adquirido à pensão por inteiro. E, suprema delícia dos direitos adquiridos, ficaram isentos dos cortes salariais a que eu e outros "construtores de pirâmides" nos vimos forçados a aceitar a bem da construção do TGV, do novo aeroporto, da Parque Escolar SA e do pagamento das SCUT. A cereja em cima do bolo é o pagamento pelos aposentados de uma taxa de IRS mais baixa do que os colegas no activo.

Tudo isto em nome da defesa do Estado Social (ista) e dos direitos adquiridos. Faz lembrar o célebre livro de Paul Lafargue, o genro de Karl Marx, titulado Direito à Preguiça.

Esta cadeira, onde penso descansar as costas nos intervalos das aulas e fazer umas sestas nos "furos" do meu horário, vai permitir, assim Deus queira, que eu leve até aos 70 anos, quiçá um pouco mais, a arte de dar aulas até morrer, em proveito da defesa dos direitos adquiridos dos encostados e beneficiários de um Estado Social (ista) que condenou a minha geração à condição de construtores de pirâmides. Tudo a bem dos faraós.

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

30 mil professores no desemprego?

13 Dezembro, 2010, por Ramiro Marques


O encontro de hoje entre a delegação da Fenprof, dirigida por Mário Nogueira, e o secretário de estado adjunto e da educação, Alexandre Ventura, deu em nada.

O encontro destinou-se a discutir o impacto das medidas inseridas no Orçamento para 2011 no desemprego docente e nos concursos de professores.

Tanto Mário Nogueira como Alexandre Ventura sabiam, com antecedência, que o encontro ia dar em nada.

A Fenprof continua a afirmar que o corte de 800 milhões de euros no Orçamento da Educação lançará no desemprego 30 mil docentes.

As contas da Fenprof baseiam-se nas consequências de várias medidas: redução do número de directores adjuntos e assessores, criação de mais mega-agrupamentos, redução da carga horária lectiva dos alunos, fim dos pares pedagógicos na disciplina de EVT e extinção do Estudo Acompanhado e Área de Projecto.

À saída da reunião, o diálogo de surdos foi notório.

Alexandre Ventura disse que só em Setembro de 2011 se saberá quantos professores vão ser despedidos. Mário Nogueira afirmou que os dados da Fenprof estão próximos da realidade, caso contrário o secretário de estado diria que eram exagerados.

A verdade é que nem Mário Nogueira nem Alexandre Ventura sabem quantos professores vão para o desemprego em Setembro de 2011. Nem Isabel Alçada nem Teixeira dos Santos sabem. Tão pouco José Sócrates.

Como as coisas estão, ninguém no Governo sabe nada. Quem sabe é Berlim e Bruxelas: a chanceler Merckel e a Comissão Europeia. Portugal perdeu a soberania em todas as políticas, incluindo as educativas, a partir do momento em que se deixou cair na insolvência. Com os juros da dívida pública perto dos 7%, crescimento do PIB perto do zero, uma dívida pública que representa já quase 100% do PIB e uma dívida pública e privada que supera os 200% do PIB, o Governo português manda em coisa nenhuma.

A credibilidade de Portugal no estrangeiro arrasta-se na lama. Teixeira dos Santos faz, neste momento, uma visita à China a mendigar a compra pelos chineses de parte da nossa dívida. Coisa nunca vista em 900 anos de História de Portugal.

De cada vez que Teixeira dos Santos e José Sócrates vão a Bruxelas, vêm de lá com as orelhas a arder e chegam a Lisboa com o rabinho entre as pernas e novas medidas de austeridade.

Infelizmente, deixaram o País chegar a um ponto que nenhuma medida resulta.

As únicas medidas que resultam, eles não as querem tomar: a redução das funções do Estado, pondo termo ao monopólio estatal na prestação de serviços, E não querem reduzir o peso do estado na economia e na sociedade por uma única razão: é lá que estão os empregos milionários para eles, os filhos deles e os filhos dos filhos deles. Tão simples como isso. Empurram o patriotismo com a barriga. Colocam os interesses do partido acima dos interesses do País.

Há cada vez mais evidências de que os actuais governantes, se forem confrontados entre a manutenção do Estado Social (ista) e a saída do euro, optarão pela segunda. Conduzirão a maioria dos portugueses à miséria mas guardarão para eles os altos cargos no Estado e nas empresas públicas

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

PISA 2009 - I

Dizia-se, não sei se é verdade, que a jornalista Fernanda Câncio (FC) namora(va) com o primeiro-ministro (PM) José Sócrates e vice-versa. Realmente só uma paixão assolapada lhe permite doer-se tanto pelo Zé, como o fez no Diário de Notícias: Escreveu ela “Mas a reacção é de desconfiança, como quem diz: "isto só pode ser mentira". E porquê? Primeiro, porque é pecado pôr sequer a hipótese de uma coisa tão boa ser fruto de medidas governativas; segundo, porque somos uma porcaria de País, o desgraçadinho das estatísticas internacionais; terceiro, porque a escola pública é um fracasso, um sorvedouro de impostos que só produz indisciplina e analfabetos (como, aliás, os anteriores relatórios PISA "provavam")”.
Primeiro, porque não é pelo PM dizer A que todos nos curvamos e dizemos: A!

Segundo, porque “a coisa” não é “tão boa”! É apenas boa, quando não sofrível. Se tenho que apanhar um comboio pontualmente às 8 horas e chego às 8,15 horas estou bastante mal no cumprimento dessa obrigação. Se chego às 8,03 minutos estou melhor, ninguém duvida, mas continuo a não apanhar o comboio. O resultado prático é o mesmo! E nós ainda não estamos a chegar a horas…

Terceiro, porque “porcaria de país” poderá ser aquele em que FC mora, chafurdando-se como quiser, mas não é seguramente o meu. Almada Negreiros diria: se a Câncio é portuguesa, eu quero ser espanhol. Outro tolo, mas enfim…

Quarto, porque a escola pública produz mesmo analfabetos. FC talvez nunca tenho ouvido falar na distribuição normal ou em Gauss. É normal, mas uma pesquisa na wikipedia explicará melhor que eu. O número de excelentes é reduzido, o número de maus é reduzido. O número de bons é algo maior, assim como o número de medíocres. A maior parte da distribuição está bem no meio. E isto tudo para quê? Para que ninguém duvide que o que se faz na Escola Pública acaba no meio. Os melhores alunos são abandonados, os que podem pagar vão para escolas onde o professor lhes possa prestar atenção. Sim, porque o professor esgota-se e esgota o seu tempo disponível a tentar que alunos muito fracos recuperem. Pois. Mas isto é que se reflecte no PISA2009 em que os resultados muito negativos de alunos portugueses melhoraram. E os outros resultados, os bons, os excelentes, os dos alunos que serão, provavelmente, a elite futura de Portugal? Estagnaram…

Quinto e último comentário sobre FC, porque por muitas piruetas que ela e o PM façam num pas-de-deux sublime, a escola pública portuguesa está mesmo à deriva…

(continua)

Zé da Silva

Tudo boa gente

(JN)



"Sabemos quem foi Confúcio, mas não sabemos nada do prémio", disse à BBC o porta-voz de Lien Chan, antigo vice-presidente de Taiwan, a quem a China atribuiu o Prémio Confúcio da Paz, um Nobel da Paz "made in China" já que, segundo o governo chinês, o original se desprestigiou junto da "esmagadora maioria das pessoas do mundo" ao ser atribuído a Liu Xiaobo, que o regime de Pequim meteu 11 anos na cadeia por defender a democracia e os direitos humanos (em tradução directa do mandarim, por "subversão").

"Não sabendo nada", o premiado não apareceu na cerimónia, tendo sido substituído por uma menina de 6 anos. (Uma criança fica sempre bem em acontecimentos do género, mas é recomendável que, no futuro, o prémio seja atribuído a pessoas mais bem informadas; talvez, quem sabe? Ahmadinejad ou Chavez).

Liu Xiaobo também não comparecerá hoje em Oslo para receber o original. Não porque não saiba "nada sobre o prémio", mas pela comezinha razão de que os seus carcereiros não o deixam ir (nem a ele, nem à mulher, nem a nenhum amigo).

Não comparecerão igualmente, além da China, mais 18 países: Afeganistão, Arábia Saudita, Cazaquistão, Colômbia, Cuba, Egipto, Filipinas, Irão, Iraque, Marrocos, Paquistão, Rússia, Sérvia, Sudão, Tunísia, Ucrânia, Vietname e Venezuela. Tudo boa gente, justamente reputada por ser grande consumidora de direitos humanos (de direitos humanos "made in China", naturalmente).

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

Cum carago!

(Jorge Fiel - DN)


Não dá para trocar? Então prò caralho!" Quando pronunciou estas palavras, às 15.30 de 4 de Agosto de 2009, o cabo Rodrigues (nome fictício) da GNR estava longe de imaginar a tinta que iria fazer correr. Apresentara-se no gabinete do 2.º sargento Bruno (nome fictício), solicitando--lhe uma troca de serviço, pretensão recusada, o que o levou a deitar pela boca fora a frase fatídica.


A PJ militar conduziu o inquérito. O DIAP deduziu a acusação. Rodrigues requereu a abertura de instrução e o juiz deu-lhe razão, arquivando o processo e lamentando as dezenas de horas perdidas com o caso. O MP recorreu para a Relação de Lisboa, que, 14 meses volvidos, apesar de classificar a frase como "ética e socialmente reprovável", pôs uma pedra em cima do assunto. O juiz relator designa a expressão como "linguagem de caserna" e sinal de "mera virilidade verbal", concluindo não ter havido intenção de ofender mas "apenas de dar conta da irritação que a recusa lhe tinha causado".

Provavelmente com louvável intuito de evitar que o pessoal comece a imitar o deputado José Eduardo Martins, que desagradado com um colega lhe disse "vai prò caralho", em pleno Parlamento, a Relação teve o cuidado de traçar uma linha de fronteira neste acórdão histórico: "Dizer a alguém 'vai para o caralho' é bem diferente de afirmar perante alguém e num quadro de contrariedade 'ai o caralho' ou simplesmente 'caralho', como parece ter sucedido na situação em apreço" - sendo que, no primeiro caso, a frase pode ser considerada ofensiva, enquanto no segundo exprime tão-só espanto, indignação, impaciência ou irritação.

Posto isto, devo confessar que usei linguagem de caserna ao ler que a assessora da ministra Ana Jorge ganha mais que ela. E que me veio à cabeça uma série de expressões ética e socialmente reprováveis quando soube que as vendas de carros de luxo sobem em flecha (70% os Porsche, 36% Jaguar, 25% BMW e 23% Mercedes) no ano da explosão da crise, num país em que mais de 40% das pessoas são pobres ou estão no limiar da pobreza.

Quando vi que o Governo teve a desfaçatez de criar uma EP para controlar as grandes obras e as parcerias público-privadas e está num ritmo recorde de 45 novas nomeações por semana, deu-me logo vontade de abusar da minha proverbial virilidade verbal e começar a mandar, a torto e a direito, gente para o carvalho (sem o v), certo de que não estou a ignorar o conselho sábio de Agustina ("o país não precisa de quem diga o que está errado; precisa de quem saiba o que está certo"), pois sei que, depois da Grécia se regionalizar no próximo Ano Novo, só sobramos nós na UE a teimar manter um centralismo autista, obsoleto e ineficaz - apesar de estarmos a balouçar à beira do abismo.

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

A professora que queria ensinar os alunos a ler

(JN)

Boas notícias, finalmente! Os alunos portugueses estão, pela primeira vez, perto da média dos alunos que participam no PISA (Programa Internacional de Avaliação de Alunos).

O PISA testa o conhecimento de estudantes de 15 anos, independentemente do grau de ensino que frequentam, nas áreas de leitura, Matemática e Ciências. Portugal fica ao nível dos Estados Unidos, Suécia, Alemanha, Irlanda, França, Dinamarca, Reino Unido, Hungria e Taipé.

Boas notícias, portanto. O que soa estranho é a grandeza do salto. A que se deve tamanha evolução?

Ainda há pouco tempo, sensivelmente um ano, numa reunião de pais, com a direcção de turma, em que estive presente, participou a professora de Português. E veio ali pelo seguinte: pedia aos encarregados de educação de uma turma do 10.º ano autorização, por assim dizer, para deixar para trás por algumas aulas o programa curricular.

Inesperado pedido, mas que se compreende bem. Em vez das aulas curriculares, a docente pretendia ajudar os alunos a ler! Os jovens, acabadinhos de fazer exame do 9.º ano a Língua Portuguesa, com sucesso, não sabiam ler. Era essa, pelo menos, a percepção dos professores que lhes davam aulas. Liam, mas não percebiam o que liam. Isto aconteceu há pouco tempo, no mesmo país que agora exibe os excelentes resultados no PISA. Seria um problema localizado naquela escola? Pouco provável. É certo que o contexto socioeconómico é importante, mas não chega.

As boas notícias não podiam vir em melhor altura. O Governo, como era de esperar, explorou a evolução dos resultados, levando o primeiro-ministro a prever um aumento da produtividade em Portugal. É uma leitura lógica. Se as competências dos cidadãos melhorarem, a competitividade da economia talvez acompanhe essa evolução.

Enquanto não chegamos lá, parece que existem outros meios para atingir melhores níveis de competitividade. Recentemente, numa reunião extraordinária de ministros das Finanças da União Europeia, Olli Rehn, comissário europeu dos Assuntos Económicos, anunciava: Portugal vai fazer uma reforma das leis laborais. Em Portugal, o primeiro-ministro, José Sócrates, admite a reforma, sem avançar pormenores. Mais informações para os próximos dias, diz. Se Bruxelas já sabe o que vai acontecer aos trabalhadores portugueses, seria bom que os portugueses também soubessem...

domingo, 5 de dezembro de 2010

Sócrates como noiva abandonada no altar

(Alberto Gonçalves - DN)

O eng. Sócrates acha que a nossa situação económica é uma "obsessão" dos jornalistas que teimam em questioná-lo a propósito. Dos jornalistas e de um punhado adicional de pacóvios que julgam relevante o facto de o País estar de rastos e que, na sua ignorância, julgam também que o primeiro-ministro desse país talvez devesse ter uma opinião sobre o assunto.



Obviamente, não tem. Ainda por cima, no momento do desabafo o eng. Sócrates encontrava-se no seu ambiente natural, ou seja, na Líbia, durante uma Cimeira UE/África a que faltaram todos os líderes europeus que, vá lá saber-se porquê, não apreciam ver-se associados a figuras do gabarito do sr. Kadhafi.


Por sorte ou vocação, o eng. Sócrates não sofre de escrúpulos desses, e deu gosto ver a alegria com que saltitou por Tripoli, a anunciar exportações do computador chamado Magalhães e bugigangas afins e, claro, a discorrer acerca das energias renováveis. As energias renováveis comovem imenso o eng. Sócrates: à primeira menção de uma ventoinha gigante ou de dois painéis solares, o homem fica com pele de galinha e dispõe-se logo a organizar conferências internacionais para tratar tão premente matéria. Foi o caso.


Agora a sério, o eng. Sócrates lembra uma noiva outrora abandonada no altar. Os anos passaram e, incapaz de digerir o desapontamento, a senhora continua de véu e grinalda, embora, excepto pelos escombros de uma vida, em seu redor não reste mais nada, nem cerimónia, nem convidados, nem altar. Ainda assim, é preciso imaginar a noiva feliz, a oferecer fatias de bolo velho e a exibir a aliança, perdão, o Magalhães e as ventoinhas a transeuntes pasmados. Por piedade, os transeuntes dão-lhe os parabéns. Chamar a noiva, perdão, o eng. Sócrates, à realidade não é perigoso, mas apenas inútil. Uma inútil obsessão.

Selvajarias


(JN)

[...]

A decisão do Governo açoriano, liderada por um socialista, facto só assinalável por o Governo central ter a mesma cor, de compensar alguns funcionários públicos pelo corte que Governo da República determinou nos salários do funcionalismo público é muito mais do que uma afronta ao Governo de Sócrates. A circunstância de se tratar de uma compensação, de uma reposição de valores e não de uma isenção, inscreve-se na categoria da "habilidade", a que estávamos habituados por parte de Alberto João Jardim, na Madeira, e que Carlos César agora replica nos Açores.

Tudo isto será legal, democrático, constitucional.

Mas é perfeitamente selvagem na medida em que desrespeita uma norma tomada em tempo de crise, abrindo demagogicamente uma excepção que mostra com toda a evidência que, sendo todos nós iguais, há uns mais iguais do que outros. E que mostra como em tempo de crise há sempre ratos prontos a abandonar o navio mandando às malvas a solidariedade.



O pior que isto tem é que vivemos num país em que se abrem demasiadas excepções. Mas é bom que quem abre tais excepções, vá sabendo que fica à margem da consideração geral, que se expõe à classificação de dirigente não desejável numa democracia e que se integra por vontade própria, expressa em actos execráveis, na categoria de cidadão de segunda, isto é, incapaz de um comportamento medianamente ético.

Oxalá não sejam filhos dos “boys”

in




A crer na notícia, de acordo com um relatório da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), e citando, “Portugal tem 300 000 crianças na pobreza”.

Ainda de acordo com a notícia, o relatório coloca os nossos jovens como os mais pobres da OCDE.

Não bastam os números, já de si escandalosos e inaceitáveis, como ainda a posição no ranking da pobreza!

Convém ainda recordar que, vindo donde vem, os números devem ser mesmo verdadeiros e credíveis; com alguma frequência o (des)governo da Nação alinha nas recomendações desta mesma organização para justificar as tão propagandeadas “reformas” que, ao que parece, têm conduzido, entre outras coisas, a números que certamente orgulham qualquer país (e respectivo governo) desenvolvido e preocupado, entre outras coisas, com as suas crianças e jovens!

Apesar de lamentável, oxalá estas crianças não sejam os filhos dos chamados “boys” (e das “girls” também), porque, a ser verdade, está visto que a (des)governação da Nação é mesmo uma realidade que não é possível esconder nem branquear!!!

Manuel Salgueiro

sábado, 4 de dezembro de 2010


(Rui Moreira)



É raro o dia em que um dos nossos políticos não reclama contra os tenebrosos especuladores, ou que não os maldiz pela responsabilidade na escalada dos juros da dívida pública portuguesa. O que leva, naturalmente, o cidadão menos avisado a acreditar que há uma conjura contra os interesses portugueses, e a julgar ser essa a causa das nossas dificuldades.

[...]

A dívida pública de cada país tem um rendimento e um risco: se o risco aumenta, os mercados exigem um preço superior ou deixam de comprar. E, no caso português, os mercados têm amplas razões para acreditar que o Estado não será capaz de resolver os problemas estruturais da sua economia. Pior do que isso, sabem que a execução orçamental tem sido péssima, sabem que tem havido períodos de descontrolo em que os jogos políticos levaram a que se tomassem medidas irracionais, temem que esse cenário se repita, e não têm dúvidas de que temos escondido a realidade e iludido os mercados por razões de ordem eleitoral e porque algumas das nossas instituições, que deveriam ser independentes, foram instrumentos dessa lógica perversa, como foi o caso do Banco de Portugal na "era Constâncio".

[...]
Em face disto, a única saída para esta crise passa por seduzir os mercados, convencendo-os de que a dívida pública, que iremos ter de continuar a contrair, será utilizada de forma criteriosa, e será reembolsada quando chegar à maturidade. Se os mercados acreditarem nisso, os juros serão menores, o que aliviará a pressão sobre Portugal. Passa também por convencer os nossos parceiros europeus de que farão um mau negócio se deixarem cair Portugal, porque estarão a desperdiçar a possibilidade de o nosso país recuperar, pagar o que deve, e continuar a comprar os seus produtos.

O problema é que os que nos governam são os mesmos que tardaram em tomar medidas de emergência, que não garantiram a execução orçamental e que tentaram enganar os mercados. Duvido que uma remodelação resolva o problema de credibilidade do país. No fundo, como podem os estrangeiros acreditar em nós, se temos um Governo que mente e, pior do que isso, somos um povo que se acomoda, que deixa andar, e que se descredibiliza dia a dia ao acreditar em todas estas mentiras?

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

O respeitinho é muito bonito



O discurso da solidariedade nacional tem uma virtude: fica sempre bem a quem o profere. Porque é basicamente impossível atacar quem defende os princípios da igualdade e da justiça. Pedir sacrifícios a quem obtém lucros astronómicos, então, coloca imediatamente o preponente num andor.

Assim aconteceu com José Sócrates e Teixeira dos Santos, quando consideraram imoral (o primeiro) e inconveniente (o segundo) que grande empresas cotadas em bolsa antecipassem a distribuição de lucros aos accionistas para este ano para escapar ao novo imposto que apenas entrará em vigor em 2011, esvaziando, dessa forma, os cofres do Estado em vários milhões de euros.

Cedo se percebeu que o apelo pungente de Sócrates à solidariedade nacional iria surtir o mesmo efeito de uma beliscadela no dorso de um elefante. A Portugal Telecom fez orelhas moucas (neste caso, fazendo uso de uma conveniente audição selectiva: ora ouve a golden-share, ora não ouve a golden-share). Portucel, Jerónimo Martins e Semapa foram pelo mesmo caminho.

Ninguém pode acusar estas grandes empresas de não respeitar a lei. Fizeram o que fizeram porque lhes é permitido. A discussão, por isso, deve centrar-se na imoralidade do acto. Que é por demais evidente.

Ainda assim, pensar que empresas que visam única e exclusivamente o lucro fossem acometidas de espasmos altruístas e se sentissem obrigadas a engrossar o rol dos oprimidos é o mesmo que acreditar que são as cegonhas que trazem os bebés de Paris. O que Sócrates e Teixeira dos Santos quiseram foi pressionar (ou apenas dar a ideia). O que Sócrates e Teixeira dos Santos conseguiram provar é que não conseguem pressionar ninguém que não queira ser pressionado.

Mas este braço-de-ferro teve outros motivos de interesse. O PCP quis "encostar" o PS às cordas, avançando com um projecto sobre a tributação dos dividendos ainda para este ano. O PS tremeu. Afinal, como agir? Obedecendo à sugestão do primeiro-ministro? Ou chumbando o projecto e, dessa forma, cortar pela raiz aquilo que se previa vir a transformar-se numa acesa batalha legal decorrente de uma alteração das regras a meio do jogo?

O líder da bancada parlamentar, Francisco Assis, ameaçou demitir-se caso os deputados validassem a intenção comunista. Os deputados, mesmo os que entregaram declarações de voto sugerindo amargos de boca, fizeram-lhe a vontade. E assim se criou mais um facto político inconsequente. E assim o Parlamento voltou a provar ser incapaz de encontrar uma solução - no caso, técnica - capaz de incutir alguma moralidade ao discurso do sacrifício colectivo. Mas, na verdade, também já não se esperava outra coisa, pois não?

NOTA DE ZÉ DA SILVA: Claro que eu não esperava nada. Mas estas pseudo-ameaças de demissão servem para quê?

Ufa, que alívio...

(Carlos Fiolhais - De Rerum Natura)



O Euro 2004 deu um prejuízo imenso a todos nós: basta olhar para os monumentais estádios vazios em Coimbra, Aveiro, Leiria e Faro.

Não contentes com esse rombo nas finanças públicas, havia gente que queria agora um rombo semelhante ou maior, com a organização do Mundial de 2018.



Mesmo que fossem só três estádios em Portugal as exigências logísticas obrigariam a investimentos avultados que muito dificilmente poderiam ser assegurados a tempo e horas (o TGV, por exemplo).

Ainda bem que o Mundial de 2018 foi para a Rússia.

Além do mais, se Portugal tivesse sido escolhido com a Espanha, teríamos mais um pretexto para esquecer a enorme crise que atravessamos...

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Uma espécie de democracia

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Como a generalidade dos portugueses, o leitor não fará provavelmente a mínima ideia de quem seja o sr. Oli Rehn. Devia fazer porque o sr. Oli Rehn é comissário europeu dos Assuntos Económicos e extraordinário ventríloquo, conseguindo, de Bruxelas, colocar a voz em Portugal através do actual Governo (ou de qualquer outro). De facto, quando o dr. Teixeira dos Santos ou o primeiro-ministro anunciam "medidas" limitam-se a mexer os lábios; quem realmente fala é o sr. Oli Rehn.

A coisa funciona em "mise en abîme" pois a Comissão Europeia e o sr. Oli Renh também só mexem os lábios; quem fala quando eles falam é, por sua vez, a voz dos "mercados", ou seja, da banca e da usura.

O leitor (e eleitor) estará convencido de que elegeu um Governo e um Programa de Governo. Desiluda-se, elegeu feitores. Da banca, dos "mercados", da UE e, por fim, do sr. Oli Rehn - que anunciou no dia 28, em Bruxelas, que "Portugal preparará (...) reformas estruturais no mercado de trabalho" - e do sr. Didier Reynders, ministro das Finanças da Bélgica que, "em nome de Portugal", assegurou que o Governo que o leitor elegeu irá fazer "reformas nos sectores da saúde e transportes, tal como uma reforma do quadro orçamental". E, se eles o asseguraram, não tenha o leitor dúvidas de que o Governo cumprirá, independentemente do que estiver no Programa de Governo.

Consta que Portugal é um Estado soberano. E uma democracia.

terça-feira, 30 de novembro de 2010

Cientistas de pé no Jardim Botânico Tropical

(colhido no De Rerum Natura)


segunda-feira, 29 de novembro de 2010

O art.º 17. º da nossa infâmia

(JN)

Carlos Abreu Amorim

Diz-se que a questão se originou na incomodidade dos quadros do Banco de Portugal (BdP) em se sujeitarem aos cortes salariais previstos na austeridade orçamental.

O BdP hospeda e agasalha o melhor das subidas cabeças económicas e políticas da corte que manda no país - sempre tal ouvi afiançar (mas nunca acreditei): Silva Lopes, Tavares Moreira, Miguel Beleza, Vítor Constâncio, Cavaco Silva, Oliveira e Costa, Manuela Ferreira Leite, Octávio Teixeira, Ernâni Lopes e tantos outros.

Em suma, que ninguém se equivoque: quando o BdP franze o sobrolho, o regime que temos estremece.

As pressões levaram Jaime Gama a pedir um parecer ao BCE. Este, usou do habitual "amiguismo de classe" e sentenciou que a independência do BdP estaria ameaçada caso o Estado português prosseguisse com os cortes salariais nessas tão autónomas e soberanas figuras que jazem no BdP - logo, temos de concluir, para que a emancipação do BdP seja assegurada, o Estado está forçado a recompensar os seus milhares de funcionários e outros tantos aposentados com remunerações muito acima dos restantes servidores públicos e que nunca poderão, sequer, oscilar com os abalroamentos mais terríveis da crise!

Prontamente se percebeu que outras entidades públicas ansiavam por plagiar o exemplo do BdP à custa de qualquer pretexto. Os demais albergues do regime, como a Caixa Geral de Depósitos, acompanhada por uma série de entidades públicas ditas empresariais (como a TAP, CTT, CP e por aí fora), iniciaram nos corredores do poder uma ofensiva que tentava comprovar a mirífica possibilidade de os seus quadros superiores desertarem em massa para outras instituições, pelos vistos sedentas da competência e do mérito que por ali abundam, como é por todos consabido...

A falta de pudor que assinala os principais responsáveis por esta III República prevaleceu - na passada terça-feira, de forma dissimulada, prestes a encerrar-se o debate na especialidade do OE, em véspera da greve geral e tentando apanhar distraídos os poucos que ainda não prescindiram da capacidade de pensar e de se indignarem com o que resta deste pobre país, o PS, tácita e desgraçadamente apoiado pelo PSD, aprovou uma nova redacção do art.º 17.º do OE, segundo a qual as administrações das empresas públicas poderão ser autorizadas a realizarem "adaptações autorizadas e justificadas pela sua natureza empresarial".



Num ápice, abriu-se o postigo da vergonha! Com estas oito simples palavras está concretizada a tarefa de descobrir uma fresta para, logo de seguida, escancarar o portão das excepções aos cortes salariais, simbolizando na perfeição a notória carência de um mínimo ético por parte de quem tanto nos tem desgovernado.

Os esforços de justificação desta ignomínia ainda são mais reveladores da imensa desconsideração que os responsáveis partidários detêm pela lucidez dos portugueses - tentaram impingir-nos a ínvia fábula que assegurava que caso persistissem os cortes salariais na Caixa aquela rapaziada que para lá foi enviada (ou para outros lugares análogos) como gratificação adquirida por percursos e fretes politiqueiros, debandaria, amuada, para o J.P. Morgan Chase ou para o HSBC, que, claro, os receberiam de braços e bolsas abertas! Quiseram fazer-nos acreditar que os nossos gestores públicos, na sua maioria, autênticos especialistas em afundar as empresas por onde passam, poderão ser aproveitados por alguma entidade privada em que o mérito prevaleça e que não necessite de "Varices", ou seja dos conúbios insalubres entre decisores públicos e privados.

Fiel à sua história recente, o PS abdicou dos princípios e cedeu aos interesses mais torpes. O PSD apadrinhou esse declive ético, mostrando que ainda vê o país a partir da confundida visão da corte.

Numa hora em que importava manifestar, cá dentro e lá fora, que a austeridade é para levar a sério, exibimos os nossos piores vícios: o favoritismo, a discriminação em razão de posições de influência, a ideia de que há servidores públicos com e sem "pedigree".

Cada vez mais, os políticos deste país dão-me náuseas - que venha o FMI e depressa!












domingo, 28 de novembro de 2010

É fartar, vilanagem!


(JN)

Uma estimável instituição vocacionada para a defesa dos consumidores mostrava há dias que na factura da electricidade, cada vez mais gorda, mais de 40 por cento não se referem ao que consumimos. Se bem entendi, estaremos aí a falar de "extras" variados, entre os quais (estou certo disso) não deixarão de ter o seu peso os salários e prémios milionários pagos aos gestores e, também, aos assessores (originários exactamente daqueles sítios em que o leitor está a pensar), bem como cátedras de luxo em universidades americanas...


Mas esses expedientes, hoje mais vulgares do que o "doce da Teixeira" nas romarias, não se ficam pela electricidade. Essas habilidades, que visam entrar nos bolsos dos cidadãos com aparências de seriedade, estão presentes noutros bens de primeira necessidade e prestados em regimes de monopólio ou parecidos.


É o caso da água: mais de metade da factura nada tem a ver com o consumo, antes se dispersa por rubricas como a recolha de lixo (que grande negócio vai por aí!), o saneamento e outras criatividades semânticas, entre as quais se destaca a "disponibilidade".


Mas há muito mais, a começar pelas gasolinas e a terminar... nunca. E coisas novas vêm a caminho sem o menor pudor: em breve estaremos a pagar uma "taxa de protecção civil", como se entre as obrigações públicas não estivesse precisamente a protecção das populações.


Cabe perguntar, aqui chegados, para que servem, afinal, os impostos que nos cobram!

sábado, 27 de novembro de 2010

Crónica da desgraça anunciada


J.L. Pio Abreu



O orçamento derrapou, sabem porquê? Porque se anunciaram restrições, e não houve director, presidente ou autarca que não desatasse a gastar dinheiro enquanto podia dispor dele. Aumentou o consumo de medicamentos, sabem porquê? Porque se anunciou que eles ficariam mais caros, e não houve doente que não os comprasse enquanto eram mais baratos.


Quando se anuncia a taxação dos dividendos, não há accionista que não os queira enquanto não forem taxados. Se, por uma crise social, se adivinhar que faltará o abastecimento de bens essenciais, começará sem dúvida o açambarcamento, fazendo apressar a falta. Se alguém souber que um país sairá do Euro, as notas vão sair do circuito económico e dirigir-se rapidamente para debaixo dos colchões.


São os nossos Chicos Espertos? É verdade que sim, mas quem os pode condenar quando seguem o exemplo dos mais respeitáveis gestores? O erro, no mundo em que vivemos, é anunciar a desgraça. Tal como na psicologia humana, só o optimismo, mesmo contra as probabilidades, se torna saudável. Os optimistas sabem que a desgraça é possível e que poderão vir a enfrentá-la, mas apostam antes na esperança e até podem ganhar.


Viver a pensar no mal que nos pode acontecer é doentio. Causa infelicidade e apressa o próprio mal. No mundo de hoje também é assim. Mas a sociedade, ou parte dela, ou a sua parte mais visível, está doente. Anuncia o mal, causa infelicidade e abre o caminho para a desgraça.

Hipocrisias

(JN)

Vamos falar curto e grosso, sem perder tempo com a precisão das palavras utilizadas no relatório do FMI. Os senhores dizem que a causa maior da crise que estamos a viver é a desigualdade de rendimentos e apontam o dedo à má distribuição de riqueza feita pelos estados. Os senhores do FMI dizem isto, como podiam dizer outra coisa qualquer, porque estes relatórios têm uma lógica "professor Marcelo" e provam o que for preciso ou o seu contrário.


Adiante. É de uma extrema hipocrisia que os senhores do dinheiro nos digam que é preciso distribuir melhor a riqueza e tenham como receita única para as suas intervenções cortar na despesa pública, mesmo naquela que funciona como terapia social.


Estamos a chegar à época do Natal e as hipocrisias saltam mais à vista. Pode parecer demagogia, mas o que eu vejo é a lógica de "olha para o que eu digo, não olhes para o que eu faço".


Esta semana houve uma greve geral contra as políticas públicas de recessão, contra o acordo do PS com o PSD para pôr de pé os PEC da nossa tristeza. Os que pararam perderam um dia de salário, mas no Parlamento lá estavam comunistas e bloquistas a ganhar o deles. Alegam que os órgãos de soberania não podem fazer greve. Mas quem falta tantas vezes não poderia ter deixado nesse dia o PS a falar sozinho com o PSD. Pelos vistos não. Um dia de salário de deputado é coisa que se nota na carteira.


Sem hipocrisias, sou a favor da vinda do FMI e de uma correcção séria dos nossos desequilíbrios. Todo o tempo que perdermos sem acertar o passo é tempo que estamos a roubar às gerações futuras.

Coerência


(João Marcelino - DN)


Afinal, os cortes dos ordenados na função pública não vão ser para todos. À última hora, o sector empresarial do Estado ganhou um regime de excepção apresentado pelo PS e viabilizado pelo PSD. A tese é a de que não podemos perder os nossos melhores quadros. Mais uma vez, só perdemos a coerência.

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Como era de esperar

(JN)



Vai ficando à vista aquilo que, desde que foram anunciados os famosos e igualitários "sacrifícios para todos", era de esperar tendo em conta a cultura político--partidária dominante: que alguns "todos" seriam mais "todos" que outros.


Poupada, primeiro, a Banca, apesar dos escandalosos lucros que tem obtido com a crise (crise de que foi e é o sistema financeiro, com esse nome ou sob o fantasmático pseudónimo de "mercados", o principal responsável), seguiram-se os grandes grupos económicos, que se preparam para distribuir dividendos antes que os "sacrifícios para todos" entrem em vigor e sem que seja visível a olho nu, da parte do PS ou do PSD, qualquer medida para impedir a fuga aos impostos de muitos milhões de euros (1100 milhões, só por conta da PT, Portucel e Jerónimo Martins/Pingo Doce).


Agora, aprovado que foi o Orçamento na generalidade, começam a aparecer na discussão na especialidade mais "excepções", dos funcionários dos grupos parlamentares (isto é, funcionários partidários) aos "trabalhadores das empresas públicas", das "entidades públicas empresariais"e do "sector empresarial regional ou municipal" (poisos privilegiados de "boys" e "girls"), onde poderá haver não se sabe que "adaptações" desde que "autorizadas" não se sabe por quem.


Se a aprovação do Orçamento demorar muito mais, "todos" acabará por significar só a arraia miúda e gente sem poder económico ou político.

Greve

(Carlos Abreu Amorim - DN)

Raramente vi tanta gente disposta a fazer greve como hoje.
Apesar de a maioria dos nossos sindicatos e sindicalistas já merecerem integrar uma colecção de um qualquer Museu de História Natural que se debruçasse sobre o período que dista, algures, entre o Mesolítico e o Neolítico, se tivermos como premissa a desenvoltura das suas ideias.

Mas é preciso reagir quando nos sentimos injustiçados.

Um povo que cala quando tanto leva de quem tão mal o governa já perdeu o respeito por si mesmo.

terça-feira, 23 de novembro de 2010

A miséria "em directo e exclusivo"


Não fosse uma notícia do JN e talvez nunca tivesse tomado consciência de que a ajuda alimentar estrangeira não abrange apenas países terceiro-mundistas, como a Somália ou o Haiti. Afinal, Portugal também pertence ao número dos "desgraçadinhos". Em 2009, quase 100 mil famílias nossas andaram às sopas de Bruxelas. O meu orgulho nacional foi-se abaixo! Depois disso, quase não me beliscou o brio patriótico vir Timor-Leste oferecer-se para comprar parte da dívida nacional. Será o roto a ajudar o nu, mas por que não?...


E que não se fale na crise internacional! Porque há muito que quase meio milhão de portugueses vive da caridade de misericórdias, igrejas e outras. Só que dessas pouco se fala, pois praticam a máxima cristã de não saber a mão esquerda o que dá a mão direita.

(imagem retirada de www.nilzasilva.com)

A quem tanto bem espalha, juntou-se a TVI, através de um programa ("em directo e exclusivo"...) que paga umas continhas a gente que em troca se sujeita a fazer palhaçadas. E, indo mais longe, o programa criou um apêndice que me deixou estarrecido a única vez que o vi. Apresentaram-nos um casal que vive com poucos euros, passa fome e teve os electrodomésticos estragados pela chuva. Durante largos minutos, o casal - ela lavada em lágrimas, ele com ar contristado - foi exibido para uma plateia de lágrima ao canto do olho e para milhares de telespectadores a fungar de comoção. No final, recebeu quatro carrinhos com comida, oferta (e publicidade...) de um hipermercado, e electrodomésticos, oferta (e publicidade...) da TVI. Em suma: a miséria patenteada sem o mínimo pudor, os pobres expostos na jaula de um zoo de caridade! Um país que admite um espectáculo público tão degradante afinal talvez mereça ser colocado, aos olhos de Bruxelas, no nível da Somália ou do Haiti...

À espera de um "sinal"



No meio de notícias que são hoje, infelizmente, quase diárias ("Cinco mil famílias em lista de espera para receber apoio alimentar de instituições"; "Classe média está a chegar à sopa dos pobres"...), alguns poucos parágrafos davam ontem conta do apelo do arcebispo de Braga aos párocos para que dêem um "sinal sacerdotal" e prescindam do salário de um mês para acudir "àqueles que, cada vez mais, não têm o mínimo para sobreviver". "Trata-se - diz o arcebispo - de colocar em questão este modelo económico e acreditar que a solidariedade tem capacidade para dar dignidade a todos".


A obra assistencial da Igreja (em boa parte com apoios do Estado), juntamente com a de instituições como o Banco Alimentar ou as Misericórdias, é hoje a última fronteira da esperança de muitas dezenas de milhares de famílias que a "crise" (é difícil escrever a palavra sem aspas quando a Banca, poupada aos "sacrifícios para todos", continua a lucrar milhões por dia) atirou para a fome e a miséria. E todos os dias se ouvem apelos da parte do clero à solidariedade. Mas é a primeira vez que um bispo vem louvavelmente lembrar que, "na partilha, os sacerdotes não podem pôr-se de lado".


Falta a própria Igreja não se pôr de lado e, quem sabe?, decidir-se a prescindir de, por exemplo, uma pequeníssima parte dos rendimentos do Santuário de Fátima a favor "daqueles que, cada vez mais, não têm o mínimo para sobreviver".

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Os donos de Portugal





Três grandes grupos económicos anunciaram já a antecipação para este ano da distribuição de dividendos (e mesmo de reservas) que só deveriam ser pagos em 2011.

A razão é escandalosamente simples: em Janeiro entram em vigor, juntamente com os aumentos de impostos e reduções de salários, pensões e prestações sociais que atirarão para o desemprego e a miséria muitas centenas de milhar de portugueses, também várias alterações às isenções de tributação de que gozam as SGPS.

Pagando antecipadamente os dividendos de 2010 antes de findo o ano económico, a PT, a Portucel e o Grupo Jerónimo Martins/Pingo Doce (que ainda recentemente instituiu uma fundação com uma "carta de princípios" cheia de expressões como "solidariedade social" e "responsabilidade social") escaparão pela porta do cavalo aos "sacrifícios para todos" com que enchem a boca Governo e PS.


Sobre a fuga aos impostos de 1 100 milhões de euros num momento crítico como o que o país atravessa, o que o Governo, pelo perplexo ministro das Finanças, tem de substantivo a dizer é que é "legal". E se calhar é. Só que quem fez as leis que o permitiram e não fez as leis que o impediriam foi o mesmo Governo (que às vezes mais parece um Conselho de Administração do país por conta dos grandes grupos económicos e da banca) que tanto gosta de mostrar "coragem e determinação" quando se trata de exigir sacrifícios aos mais pobres e às classes médias.