sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

O respeitinho é muito bonito



O discurso da solidariedade nacional tem uma virtude: fica sempre bem a quem o profere. Porque é basicamente impossível atacar quem defende os princípios da igualdade e da justiça. Pedir sacrifícios a quem obtém lucros astronómicos, então, coloca imediatamente o preponente num andor.

Assim aconteceu com José Sócrates e Teixeira dos Santos, quando consideraram imoral (o primeiro) e inconveniente (o segundo) que grande empresas cotadas em bolsa antecipassem a distribuição de lucros aos accionistas para este ano para escapar ao novo imposto que apenas entrará em vigor em 2011, esvaziando, dessa forma, os cofres do Estado em vários milhões de euros.

Cedo se percebeu que o apelo pungente de Sócrates à solidariedade nacional iria surtir o mesmo efeito de uma beliscadela no dorso de um elefante. A Portugal Telecom fez orelhas moucas (neste caso, fazendo uso de uma conveniente audição selectiva: ora ouve a golden-share, ora não ouve a golden-share). Portucel, Jerónimo Martins e Semapa foram pelo mesmo caminho.

Ninguém pode acusar estas grandes empresas de não respeitar a lei. Fizeram o que fizeram porque lhes é permitido. A discussão, por isso, deve centrar-se na imoralidade do acto. Que é por demais evidente.

Ainda assim, pensar que empresas que visam única e exclusivamente o lucro fossem acometidas de espasmos altruístas e se sentissem obrigadas a engrossar o rol dos oprimidos é o mesmo que acreditar que são as cegonhas que trazem os bebés de Paris. O que Sócrates e Teixeira dos Santos quiseram foi pressionar (ou apenas dar a ideia). O que Sócrates e Teixeira dos Santos conseguiram provar é que não conseguem pressionar ninguém que não queira ser pressionado.

Mas este braço-de-ferro teve outros motivos de interesse. O PCP quis "encostar" o PS às cordas, avançando com um projecto sobre a tributação dos dividendos ainda para este ano. O PS tremeu. Afinal, como agir? Obedecendo à sugestão do primeiro-ministro? Ou chumbando o projecto e, dessa forma, cortar pela raiz aquilo que se previa vir a transformar-se numa acesa batalha legal decorrente de uma alteração das regras a meio do jogo?

O líder da bancada parlamentar, Francisco Assis, ameaçou demitir-se caso os deputados validassem a intenção comunista. Os deputados, mesmo os que entregaram declarações de voto sugerindo amargos de boca, fizeram-lhe a vontade. E assim se criou mais um facto político inconsequente. E assim o Parlamento voltou a provar ser incapaz de encontrar uma solução - no caso, técnica - capaz de incutir alguma moralidade ao discurso do sacrifício colectivo. Mas, na verdade, também já não se esperava outra coisa, pois não?

NOTA DE ZÉ DA SILVA: Claro que eu não esperava nada. Mas estas pseudo-ameaças de demissão servem para quê?

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