(Pedro Tadeu - DN)
Diz a imprensa que o chefe do FMI saiu nu da casa de banho de um quarto de hotel e tentou, por duas vezes, abusar de uma camareira. Noticiou o DN de quinta-feira ter um psiquiatra, acusado de violação de uma doente, grávida, sido absolvido por, segundo a juíza relatora da sentença, não ter sido fisicamente "muito violento".
Comecemos pelo óbvio: quer Dominique Strauss-Kahn quer João Vilas Boas, ambos suspeitos de obrigarem as suas alegadas vítimas à prática do sexo oral, têm de beneficiar da dúvida sobre os indícios que recaem sobre si. Esperemos pelo trânsito em julgado. É também inteiramente verdade que qualquer homem acusado de uma coisa destas tem enormes dificuldades em defender-se... Mas essa não é a discussão de agora.
As duas histórias têm em comum um ponto relevante: os hipotéticos agressores beneficiavam de uma posição de domínio.
Strauss-Kahn, capaz de decidir o destino financeiro de milhões de pessoas em todo o mundo, habitual residente de uma suite de hotel paga a dois mil euros a noite (como é possível políticos democráticos, que vivem de dinheiros públicos, continuarem placidamente a usufruir destes luxos inúteis?!) não podia deixar de intimidar, de meter medo, a uma rapariga que ali chegou para mudar os lençóis da cama, limpar a sanita e mudar as bebidas do frigorífico.
Vilas Boas, que tratava uma depressão à sua doente, conseguiria, se quisesse, aniquilar a capacidade de resistência psicológica da mulher que tratava, ou seja, poderia obter com violência mental aquilo que a violência física, segundo o tribunal, não lhe deu.
Nos casos de assédio sexual no local de trabalho, o senso comum e, às vezes, a justiça, já aceitam que um chefe (ou uma chefe) possa exercer uma pressão psicológica tão forte sobre os seus subordinados que os leva a praticar actos sexuais contra vontade. Admite-se até, quando a perseguição acaba por não resultar num acto sexual, condenar o simples embaraço que isso provoca à vítima .
Mas o mesmo senso comum e a mesma justiça não olham da mesma maneira quando um poderoso - um político, um milionário, um médico, um académico, um jornalista, um artista - abusam do poder que a sociedade lhes deu em casos de natureza sexual. Condenam-nos, moral e judicialmente, se eles abusarem do poder que têm para praticar um qualquer crime económico, mas têm uma enorme dificuldade em olhar para uma agressão sexual como, também, podendo ser um crime de abuso do poder como, quase sempre, é. Esse é, tragicamente, um lamentável atraso civilizacional
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