sábado, 7 de maio de 2011

Dar palha ao animal

(Jorge Fiel - DN)


É muito pouco variada a paleta de preferências alimentares do meu filho João, que vai fazer 11 anos. Por ele, só comia McDonald's, Pizza Hutt, salsichas com batatas fritas, porco preto com feijão e arroz, ovos estrelados e nachos. Pouco mais. Verduras ou peixe? Começa logo a resmungar só de ouvir falar deles.




Quase todas as crianças são assim. Compete-nos educá-las para terem uma dieta saudável, nunca desistindo de as desafiar a experimentarem novos sabores. Ao fim e ao cabo, antes de meter pela primeira vez à boca nachos com guacamole (e extra queijo), o João nunca poderia saber que ia adorar este clássico da cozinha "tex-mex".



É claro que dá muito trabalho estar sempre a tentar convencer a generalidade das pessoas, sejam crianças ou adultos, a darem uma oportunidade ao novo, desobedecerem à rotina e a não fugirem da diferença.

Um crítico musical (cujo nome lamentavelmente não fixei) deu recentemente um exemplo luminoso dos malefícios do conservadorismo, ao escrever que as obras de Mahler começaram sempre por ser mal recebidas, o que era um bom sinal porque o público apenas gosta do que já gostou e só quer o que já quis.

Basta andar pela rua e olhar para a cor dos carros (98,9% são cinzentos, brancos ou pretos) para tirar a prova dos nove deste espírito de rebanho, a que alguns chamam de moda e que, só para citar mais um exemplo, levou 78,9% das mulheres (estimativa conservadora) a, de um momento, passarem a usar as calças dentro das botas e a pintarem as unhas.



"Dar palha ao animal" é a expressão que sintetiza esta atitude conservadora, que é a regra número 1 do manual de sobrevivência da multidão de "yes-men" e "yes- -women" que povoa as empresas. Se o chefe quer assim, faz-se assim. Se a coisa der para o torto, a culpa é dele. Para quê perder tempo e arranjar chatices a contrariá-lo e explicar-lhe o nosso ponto de vista?

O drama das democracias é que o conceito de "dar palha ao animal", de dar às pessoas o que elas gostam, mesmo que achemos que elas estão erradas, passou a fazer parte do catecismo político-partidário.

A incompetência dos políticos gerou a vitória da economia e levou os chefes partidários a adoptarem a gramática empresarial e travestirem-se em "marketeiros". O eleitor foi transformado em cliente, que tem sempre razão. Ideias e convicções? Isso não interessa para nada. O que importa é dizer-nos o que as sondagens e focus group garantem que nós queremos ouvir. O lucro são os votos. Para ganharem a 5 de Junho, Sócrates e Passos vão a dar-nos fardos da palha de que acham que gostamos.

É triste concluir que Vítor Bento tem razão quando disse que "quem governa bem não ganha eleições". É triste ser tratado como consumidor - e não como cidadão.

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