domingo, 8 de maio de 2011

O acordo de que somos incapazes



(João Marcelino - DN)


1. O que mais impacta no acordo de ajuda externa pedida por Portugal é que três economistas, funcionários da Comissão Europeia, do Banco Central Europeu e do Fundo Monetário Internacional, tenham acertado em três semanas o plano que nenhum colega português, dos partidos dominantes do sistema, foi, ou seria, capaz de propor ao País.

Não estou a falar de competência técnica; estou a referir-me a coragem política.

Este plano, quase unanimemente consensual para os partidos do chamado "arco da governação", nunca seria tão preciso, detalhado e coerente nos objectivos de correcção estrutural se fosse feito sem ajuda externa. E não o seria porque esses partidos há muito se comportam como centrais de interesses.

Os principais partidos nacionais sabem bem o que é preciso fazer.

O problema está em que têm clientelas a alimentar. Fogem de ser eles a racionalizar a função pública, a dizer não às construtoras, a disciplinar os gastos na saúde, a reformar a justiça que todos definem como estando em coma, a afrontar os lobbies socioprofissionais.


Longe das câmaras perante as quais debitam intuitos reformadores e vontade de cortar a direito, eles discutem - ou permitem que se discuta - os lugares a distribuir e os negócios a fazer. Não tanto no governo; que isso dá trabalho e aborrecimentos. Mas as empresas públicas são óptimas, há bons projectos na área do ambiente, muito imobiliário no poder local, obras a concessionar, privatizações "dirigidas" a fazer, empregos para a troca. E tudo longe, bem longe, dos postos mais escrutinados.

Para o governo estão escalados, ainda assim, os melhores. Cá fora, a condicionar, a pressionar, ficam os ladinos operacionais que em pouco tempo acabam com as vontades reformadores e, ideologias à parte, têm dado coerência aos processos de degradação das contas do Estado.

Nos próximos três anos, pela terceira vez desde o 25 de Abril, vamos fazer o que é preciso porque não temos outra saída e os credores assim o exigem.

Infelizmente, quando as contas do Estado estiverem mais ou menos saneadas, o regabofe poderá recomeçar de novo.

2. Pelas sondagens que vamos tendo, PS e PSD estão surpreendentemente próximos. A "surpresa" tem que ver com o facto de um partido que está há seis anos no poder e que teve de chamar a ajuda tão intensamente diabolizada não estar a ser penalizado como a lógica ditaria.

As razões podem ter que ver com a inabilidade política do PSD nas últimas semanas, da escolha das listas de deputados, passando por algumas declarações infelizes e a acabar na privatização da CGD, que Pedro Passos Coelho coerentemente defende mas que retira votos.

Seguramente, por outro lado, essa "surpresa" têm que ver com o inegável talento político de José Sócrates, que não perde uma oportunidade para ganhar votos (vide a comunicação ao País desta semana para nos dizer tudo aquilo que não estava no memorando de acordo para a ajuda financeira internacional e, sobretudo, assegurar a manutenção do pagamento dos meses de férias e Natal...).

O problema está em que, se tudo isto estiver certo, o quadro político-partidário não irá sofrer alterações substanciais. Tudo ficará muito parecido com a legislatura anterior, na qual já eram possíveis duas "maiorias naturais": a do bloco central (PS+PSD) e a da coligação PS+CDS, maioritária por um deputado.

Se tudo isto se confirmar, teremos perdido quase três anos, sem sentido, à míngua do diálogo de que agora José Sócrates é um paladino. Com uma perversa consequência: o Presidente da República ficará diminuído na capacidade de promotor de diálogos em que também falhou estrondosamente ao entrar de forma desabrida no seu segundo mandato.

Faz bem Cavaco Silva em alertar os cidadãos para os tempos difíceis que aí vêm, nos próximos três anos pelo menos. O pedido para o consumo preferencial de produtos portugueses faz todo o sentido. Porque a economia faz-se de gestos. Os números vêm depois

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