(Filomena Martins - DN)
José Sócrates mentiu. Ou melhor, está farto de mentir. Passou anos a criar ilusões anunciando que a crise nunca nos afectaria, e é o que se vê. Garantiu que nunca se falou da necessidade de ajuda externa no Conselho de Estado, achando que o dever de reserva de todos os conselheiros o protegeria, mas, além de ser óbvio que a realidade o obrigaria, tivemos vários a desmenti-lo. Jurou dois dias antes do pedido dessa ajuda que Portugal não precisava de qualquer empréstimo, e todos sabemos agora em que situação de falência o País está. Anunciou que jamais governaria com o FMI, e é o que se está a assistir.
Mas Passos Coelho também mentiu. E, pior, deixou que essa mentira enganasse os portugueses. Disse, e deixou que muitos fizessem eco do que disse, que tinha sido informado do PEC IV de véspera com um simples telefonema, quando não só se encontrou pessoalmente com José Sócrates para o negociar como o fez sem testemunhas. E enganou, também, quando garantiu que ia aproximar os políticos dos cidadãos e depois escolheu independentes que nunca darão nome de rua à terra onde nasceram. Começou mal e já tem os gatos do saco do PSD todos a arranhar-se.
Teixeira dos Santos, esse, não pára de mentir. Ou, bem vistas as coisas, nem se sabe bem quando falou verdade. Festejou a execução orçamental como se Portugal tivesse ganho o Euromilhões, e ei-lo agora a dizer que o País não terá dinheiro em Maio. Sublinhou que um governo de gestão não tinha autoridade para pedir ajuda externa, e os acontecimentos ultrapassaram-no em poucos dias. Mandou Bruxelas negociar com a oposição e foi desautorizado quer pela União Europeia quer pelo próprio primeiro-ministro. Matou a sua carreira técnica pela política e agora percebeu que quem sempre apoiou o deixará cair e provavelmente nem sequer fará parte das listas do PS.
Fernando Nobre também mentiu, pois claro. Mas neste caso o problema é mais dos que nele acreditaram. Afirmou há duas semanas que não queria ter nada a ver com os partidos, enquanto almoçava e jantava com o PS e se reunia com o PSD. E não resistiu, como é óbvio, quando lhe acenaram com o segundo cargo da Nação, o que não pode estranhar-se de quem já foi mandatário do Bloco, monárquico, e outras tantas coisas que tais. Agiu como seria de esperar de quem tem ambições, e só os crentes dos seus apoiantes achavam que carregaria para o resto da vida com os 600 mil votos conquistados.
E Cavaco Silva, esse continua a não dizer a verdade sobre o negócio das acções do BPN. E sabemos todos que esta omissão não é uma coisa pequena, tendo em conta a dimensão do buraco do banco nas contas do País.
Numa das séries televisivas de maior sucesso, House, o médico que lhe dá nome, resolve os seus difíceis casos clínicos partindo de um princípio básico e global: toda a gente mente. Mas o dr. House, genial, cínico, arrogante e que desrespeita toda a gente, mente e expõe as mentiras dos doentes para lhes salvar a vida. Já os políticos portugueses mentem, mas as suas mentiras, além de apenas exporem aquilo que eles valem aos cidadãos, estão a matar o País.
Sinais
Depois das imagens que as televisões inadvertidamente passaram de José Sócrates no dia do anúncio do pedido de ajuda, e que mostraram quais eram afinal as maiores preocupações do primeiro-ministro antes de uma comunicação histórica ao País, seguiram-se outras situações igualmente reveladoras da personalidade do líder do Governo. No Congresso/Comício do PS, Sócrates falou sempre à hora de prime time para que os seus discursos pudessem passar em directo nos telejornais. Já a sua oposição foi relegada para entre os programas da Fátima Lopes, à tarde, ou as novelas da Globo, noite dentro. O poder da imagem às vezes vira-se contra os que dela abusam.
Nesse espectáculo montado ao pormenor que foi o Congresso/Comício socialista, onde até as bandeiras do partido foram saneadas e trocadas por umas mais bem mais patrióticas do País, só o famoso teleponto é que falhou. Uma falha que, aliás, foi também ela reveladora. Se no famoso vídeo maldito, Sócrates conta com o assessor para o aconselhar para que lado se virar para melhor ficar, em Matosinhos viu-se obrigado a falar para a esquerda, porque o aparelho da direita se partiu. Que melhor síntese da sua própria estratégia: poupar a direita de Portas, não vá ela fazer-lhe falta no pós-eleições, e piscar completamente o olho ao voto útil do eleitorado à esquerda, quer o do Bloco e PC, quer o do seu próprio partido. A avaria técnica foi tão significativa que, conhecendo-se Sócrates, fica a dúvida se não terá sido propositada.
Um último sinal: Portas teve direito a mais 17 minutos de audiência com José Sócrates do que Passos Coelho. Mais 15 minutos do que toda a Esquerda (Bloco, PC e Verdes) junta! Tinham muito que falar, seguramente.
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