segunda-feira, 25 de abril de 2011

Ganhe quem ganhar

(Alberto Gonçalves - DN)


O "cabeça de lista" do PS nos Açores é Ricardo Rodrigues, cidadão que subtraiu dois gravadores a jornalistas da Sábado quando estes o questionaram sobre um caso de pedofilia em que foi mencionado e um caso de fraude em que foi arguido.


O "cabeça de lista" do PS na Guarda é Paulo Campos, o secretário de Estado que encomendou os chips das Scut à empresa gerida por um seu ex-assessor, que permitiu a dois assessores acumularem ilegalmente funções na administração da Fundação para as Comunicações Móveis e que nomeou para a administração dos CTT um amigalhaço acusado de falsificar a licenciatura (uma trivialidade, admito).

O "cabeça de lista"" do PS em Leiria é Basílio Horta, histórico (no sentido museológico) do velho CDS, "homem às direitas" das presidenciais de 1991 e dilecto funcionário do actual Governo numa influentíssima Agência para o Investimento e Comércio Externo.



O "cabeça de lista" do PS em Évora é Carlos Zorrinho, o ex-coordenador do Plano Tecnológico ouvido em Comissão de Inquérito pelos concursos de atribuição do poderoso computador Magalhães, o génio que o vento levou para as ventoinhas "renováveis" e o profeta que, em Janeiro último, garantia um futuro risonho para as nossas trocas comerciais com os países árabes.

E por aí fora, de Helena André (Aveiro) a Pedro Silva Pereira (Vila Real), sobre os quais a decência recomenda discrição absoluta.

À custa de figuras duvidosas, tristes serviçais e puro refugo, eis um retrato do descaramento. Mas se os comentadores próximos do PSD acertam ao alertar para a rematada baixeza dos primeiros candidatos socialistas (as segundas linhas incluem um ex-concorrente ao Big Brother), erram ao usá-la para, comparando-a, "justificar" por exemplo a escolha de Fernando Nobre, um desastre que nada justifica e quase nada permitia antecipar. Nem a miséria alheia legitima a própria nem ninguém prefere a miséria desconhecida à conhecida.

O eleitorado percebe que o PS é um prodígio de incompetência (e não só). O eleitorado gostaria de perceber que o PSD é outra coisa. Não se vê como. Em vez de, nas "listas" e no resto, se mostrar uma alternativa capaz à toleima dos últimos seis anos, tarefa ao alcance de uma couve-galega ou do Pato Donald, o PSD decidiu empenhar-se numa série de acções suicidas destinadas a provar que talvez não valha a pena arriscar a mudança. Não se trata de saltar da frigideira para o fogo: trata-se de saltar da frigideira para uma frigideira diferente, exercício cansativo e escusado.

Pelo menos é o que afirmam as sondagens, que súbita e previsivelmente colocaram PS e PSD no chamado empate técnico. Um sujeito que caísse hoje em Portugal, sobretudo se vindo de Plutão, julgaria que as "legislativas" prometem entusiástica disputa. Os sujeitos que cá vivem estão literalmente cansados de saber que a promessa é a inversa: salvo para os fanáticos, as eleições de Junho serão um acto de resignação colectiva, uma penosa corrida entre o bando responsável pela ruína pátria e o bando empenhado em tornar esse pormenor irrelevante. Ganhe quem ganhar, nós perdemos. Em larga medida, merecidamente.

Domingo, 17 de Abril

Os vilões


Em Pare, Escute e Olhe, o documentário sobre a extinção da zona do Tua que a Sic Notícias vem transmitindo, há um momento extraordinário. De visita à construção da barragem do Sabor, o eng. Sócrates, de olhos no chão e comitiva ao fundo, ouve sisudo os comentários de António Mexia acerca da desertificação do lugar. A certa altura, Mexia arrisca: "Mas isto já tem uma obra significativa..." O eng. Sócrates levanta enfim os olhos, observa as máquinas e o pandemónio em redor e proclama: "Só falta aqui é cimento!" E depois ri, ri muito, ri como os péssimos vilões dos péssimos filmes. Mexia ri também.

Vi o documentário com amigos. Vimos o episódio citado em silêncio pasmado. Percebemos imediatamente que, embora menos do que no caso dos desgraçados submersos pelo progresso dito "energético", o filme em questão é o das nossas vidas. Após longos segundos, um amigo decidiu perguntar: "Em que país é que um sujeito diz semelhante coisa e continua no poder?" Todos sabíamos a resposta. Ninguém se riu.


Quarta-feira, 20 de Abril


Ases pelos ares

Enquanto o Governo tolera o ponto dos cidadãos, os cidadãos retribuem tolerando o Governo em inúmeros pontos. Um deles exemplifica-se na suave resignação com que o País acolheu o fresquíssimo aeroporto de Beja, tão fresco que ainda nem foi inaugurado ou certificado. Mas já foi experimentado.

O primeiro voo realizou-se após autorização especial e levou uma comitiva angariada pela Câmara de Ferreira do Alentejo à cidade cabo-verdiana de São Filipe, a fim de tratar do complexo processo de geminação entre ambos os municípios. Após uma semana de árduas negociações, a comitiva regressou. Bronzeada. Quem reclama dos 35 milhões gastos (até ver) no aeroporto não conhece as intensas relações das autarquias alentejanas com as suas homólogas daquele arquipélago africano. Apenas os intercâmbios da Vidigueira com o Tarrafal e de Moura com a Ribeira Brava chegariam para dar trabalho a dois (ou três) terminais de Heathrow.

Certos vultos locais, porém, criticam os atrasos burocráticos. O responsável por uma associação empresarial de Beja defende que "já deviam ter feito a inauguração deste aeroporto, mesmo com condicionalismos" (leia-se o desprezo pelas normas básicas de segurança e minudências assim). Aparentemente, não é provável que apareçam empresas interessadas em se "fixarem" (sic) no aeroporto antes da inauguração. Depois da inauguração, será a loucura. À cautela, o Ministério da Administração Interna prometeu a segurança do aeroporto de Beja à PSP e à GNR em simultâneo, provavelmente para conter a fúria dos empresários que não conseguirão fixar-se a tempo.

Fora isso, o resto é só alegria. Não contentes em dinamizar o transporte aéreo, diversos autarcas da região investiram no terrestre e contrataram autocarros para que o povo acorresse ao baptismo da, como se diz, infra-estrutura. O autarca de Beja estava particularmente feliz: "(O voo para Cabo-Verde) mostra a toda a gente que o aeroporto de Beja não é uma miragem." Nem essa esperança os contribuintes puderam manter.


Sexta-feira, 22 de Abril


É só inquietação, inquietação

O pior da vinda do FMI não é a prometida austeridade, aliás a segunda carência nacional a seguir ao juízo. O pior é a quantidade de jornalistas que se lembrou de entrevistar José Mário Branco a propósito, só porque o homem lançou em tempos um disco designado pela sigla do Fundo Monetário Internacional. Embora José Mário Branco tenha o pudor de esclarecer repetidamente que FMI, a cantiga (digamos), não versa o FMI instituição, não tem o pudor de evitar comentar ambos.

Vai daí, somos brindados com a lengalenga do burguês enojado: o "sistema", os "especuladores", os "oprimidos", a "violência policial" e restantes clichés de quem tem o corpo em 2011 e a cabeça em 1917 ou, se formos optimistas, em 1968. Nunca compreendi que uma existência dedicada a venerar regimes e indivíduos psicopatas atribuísse a alguém uma visão do mundo que urge partilhar. E se acho certa graça ao intenso ódio que José Mário Branco usa para falar de solidariedade e amor ao próximo, o sentimento dominante é a vergonha. Não é à toa que o músico é conhecido por ser uma "voz incómoda": a combinação da fúria com a infantilidade incomoda muito. E um país que engole apático a combinação incomoda mais.

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