sábado, 12 de março de 2011

Uma questão de pormenor

(JN)


Todos sabemos como as vozes ficam distorcidas através de altifalantes. Mas que as palavras se pudessem transformar noutras, isso nunca me tinha acontecido.
Estava eu na sala de espera de um hospital, aguardando que, do altifalante, uma voz dissesse o meu nome. Li o jornal, fiz as palavras cruzadas, tirei da mala uma edição de bolso de um livro do Machado de Assis, ao mesmo tempo que ia ouvindo os nomes que desfilavam.


Até que a espera me pareceu longa de mais. Tenho frequentado com regularidade aquele hospital, e nunca me acontecera esperar tanto.


Cheia de sorrisos e de "se faz favor" e de "desculpe"- lá fui ao balcão das informações saber o que se passava.




- Já foi chamada há mais de meia hora! - gritam-me - Estão para ali na conversa, nem ouvem, e depois queixam-se! Eu não tinha estado na conversa, e tenho bom ouvido.


Protestei eu, protestou ela, voltei a protestar eu - até que a convenço a ir lá dentro informar-se melhor.


Não demorou nem cinco minutos.


Ar triunfante.


- Claro que a chamaram! Maria de Jesus Pereira! Chamaram-na até mais do que uma vez!


Explico-lhe, com a calma possível, que eu não me chamo Maria, "Jesus" é o meu segundo nome, e "Pereira" é um dos muitos apelidos com que carrego, mas nem o último, nem sequer o penúltimo. Adianto-lhe que estou habituada, em hospitais, a que me chamem Alice de Jesus Fonseca (os dois primeiros nomes e o último, como é normal nestas circunstâncias) mas nunca, até então, Maria de Jesus Pereira.


Olha para mim e encolhe os ombros:


- Se a gente se preocupasse com pormenores desses...


E manda-me entrar.


A minha neta mais nova, ainda sob os efeitos do jardim-escola, quando ouve alguém perguntar "quem quer...."- levanta logo o braço, mesmo antes de saber do que se trata. Acho que lhe vou seguir o exemplo: assim que o altifalante chamar alguém, apresento-me logo.


Se não for eu, paciência. Quem é que se preocupa com pormenores desses?

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