(João Marcelino - DN)
1. Não sei se a manifestação "Geração à rasca", marcada para o próximo dia 12 em várias cidades do País, tem por detrás alguma organização partidária.
Leio que Jerónimo de Sousa vai marcar presença e Alberto João Jardim também apoia os objectivos e fico sem dúvidas quanto ao facto de muita gente desejar enquadrar politicamente o protesto destes jovens. Ele tem, efectivamente, uma virtude: representa a denúncia de uma situação de facto.
Em Portugal, como um pouco por toda a Europa, de onde o movimento descende, há uma geração marcada pela precariedade laboral e mal paga, quando não sujeita ao desemprego, sem horizontes laborais que permitam equacionar o cenário de independência a que qualquer indivíduo se habituou no mundo ocidental nas últimas décadas.
Como expressão de um sentimento colectivo e, sobretudo, como protesto político dirigido a quem governou o País nas últimas décadas, esta manifestação faz sentido.
É, ainda, um grito de cidadania e um alerta social que deve ser ouvido no Estado e na economia.
Quando um País hipoteca a felicidade dos seus jovens, está a percorrer um caminho muito perigoso - e os decisores, políticos e económicos, no Estado e nas empresas, devem perceber isso e procurar combater este terrível quadro de incerteza que marca a sociedade portuguesa e que é retratada com ironia, cáustica, na interpretação de Ana Bacalhau e os seus Deolinda na canção "Parva que sou".
2. Há nesta situação que atravessamos uma parte de culpas próprias. A nível interno, as opções dos governos pioraram o pano de fundo internacional, em que sobressaem os crescimentos chinês, indiano, brasileiro, do Leste europeu, etc.
Delapidámos recursos.
Fizemos apostas erradas.
Até o Estado cresceu em demasia, fundado na convicção generosa de a todos poder ajudar, estrangulando a economia e adormecendo o ataque ao desafio da competitividade.
Criámos, colectivamente, um cenário de bem-estar que hoje se abate de forma brutal sobre as pessoas e sobre as perspectivas dos jovens.
Reconhecido isto, deve dizer-se que a economia do País também está mal porque sobre ela se abatem razões globais, que deslocam empresas, sobem preços de matérias-primas, aumentam o custo dos produtos alimentares, actuam sobre o factor trabalho.
Estamos pior (em Portugal) porque o mundo é hoje mais justo do que era num passado recente quando muitos milhões de seres humanos, noutras paragens, estavam condenados a "ser escravos" e sem sequer poderem dar-se ao luxo de "estudar" (como satiriza o hino oficioso da "geração à rasca"). Era trabalho escravo desde o berço, e essa desigualdade ajudou à prosperidade ocidental, europeia e norte-americana.
O mundo mudou. E, se para alguns mudou para pior, para outros mudou para muito melhor.
3. Os jovens desta "geração à rasca" fazem bem em chamar a atenção para os seus problemas imediatos, mas devem enfrentar o passo seguinte: a luta por um mundo melhor, como antes foi feito por outras gerações, de uma forma geral marcadas até por menos meios e sem tantos instrumentos académicos e culturais.
Como se faz isso?
Com trabalho, aproveitando todas as oportunidades uma a uma, tendo mais qualidade que o outro indivíduo, participando na vida do País e disponibilizando-se para serem agentes da mudança.
Portugal precisa de mais cidadania, de gente empenhada que não se esgote apenas no protesto, mesmo que ele seja justo, como este o é.
Se eu fizesse parte desta "geração à rasca" haveria com certeza uma coisa a que reagiria mal: a que as manifestações fossem frequentadas por políticos e pessoas fora do quadro geracional de que emanam. A partidarite, neste caso, só pode dividir e retirar autenticidade à denúncia.
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