terça-feira, 22 de março de 2011

O mexilhão

Alberto Castro - JN





"Les jeux sont faits". Os partidos fizeram as suas apostas, reduzindo o presidente da República à função de "croupier". Todos chegaram à conclusão de que seria impossível reunir as condições que poderiam evitar o recurso à ajuda externa. Um acordo patriótico que garantisse o empenho do país, pelo tempo necessário, num rumo de correcção dos desequilíbrios e de relançamento do crescimento está, por agora, fora de questão.


Para a Oposição, Sócrates é o empecilho. Por convicção ou como pretexto. Sócrates deu-lhes razões mais do que suficientes, a última das quais quando decidiu experimentar a receita de Manuela Ferreira Leite de suspender a democracia, ainda que só por um dia ou dois. Como corolário, lógico e pérfido, Passos Coelho ficou sem saída, ou melhor, sem outra saída que não a de recusar qualquer tipo de beneplácito às medidas anunciadas pelo executivo. Sócrates sabia de antemão ser essa a consequência inevitável, como sabia ser este o tempo certo para ainda manter alguma hipótese de sobreviver na lotaria eleitoral que se seguirá. Percebeu a táctica do PSD de o deixar queimar em lume lento e resolveu ser ele a ditar as leis do jogo ou, pelo menos, o seu calendário.


Alegando um conhecimento de condições internacionais que ninguém mais terá, propôs um novo PEC e mais umas quantas medidas duras e impopulares, muito provavelmente tornadas indispensáveis pela conjuntura económica e política. Simulou desprendimento e invocou sentido de dever, trunfos que vai usar, como só ele sabe, na campanha eleitoral. Partindo em desvantagem nas sondagens, Sócrates vai para o combate com um suplemento de alma e com argumentos que o PSD não tem: as nossas propostas mereceram o reconhecimento internacional, ainda assim estávamos abertos a negociá-las e dispostos a todos os sacrifícios pelo bem do país - só isso nos move!

Sócrates sabia que iria apanhar Passos Coelho a meio do caminho, sem programa nem equipa. Terá de acelerar a elaboração do primeiro, dando-lhe coerência e diferenciando-o das propostas do PS. Não é fácil. Tendo recusado subscrever o PEC4, qualificando-o de injusto, o PSD vai ter de apresentar alternativas. Não pode começar por mentir, dizer que não faria o que acabaria por fazer. Entre as suas múltiplas clientelas eleitorais, algumas vão ficar melindradas. O mesmo se diga, no que toca à constituição das listas e da putativa equipa governativa, mas agora das clientelas internas. Passos Coelho enfrentará, a curto prazo, vários testes ácidos para os quais não é óbvio que já estivesse preparado.

Este somatório de circunstâncias torna provável que, mesmo ganhando as eleições e tendo maioria absoluta em conjunto com o CDS, o PSD não se consiga "ver livre" de Sócrates. Se o PS tiver um resultado acima dos 30%, não é óbvio que ele tenha de sair de cena ou que haja quem o queria substituir. Os bloqueios a um entendimento manter-se-iam? Se sim, as eleições não teriam servido para nada!

Faltou referir um aspecto. Em todos estes cenários, ignora-se o mexilhão. E já se sabe o que lhe costuma acontecer.

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