terça-feira, 26 de outubro de 2010

A propósito de uma entrevista de Luís Capucha

Excertos dos comentários de Helena Damião
(Blogue De Rerum Natura)



Luís Capucha é director da Agência Nacional para a Qualificação, “criada para acolher a Iniciativa Novas Oportunidades (INO) e o ensino profissional e artístico especializado”.

Devo dizer que encontro nessa entrevista indícios muito preocupantes de total ausência de atitude científica, que sistematicamente tem vindo ao de cima por parte de quem tem responsabilidades na educação formal.

Dou os seguintes exemplos:

1. Em vez de se encararem as críticas ou, pelo menos, algumas delas como uma possibilidade de análise e de correcção de eventuais erros, descredibiliza-se, menoriza-se, acusa-se, calunia-se quem as faz.

Bárbara Wong: "a opinião publicada tem colocado reservas à INO. Muitos dizem que esta só serve para dar diplomas. É assim?

Luís Capucha: "Surgem críticas, mentiras e afirmações de quem não quer mentir mas fala do que não sabe".

Quem critica só pode, pois, ser mentiroso. E se não for mentiroso será ignorante!

Bárbara Wong: "Porque é que não se fez antes esta mudança?"

Luís Capucha: "A democratização de acesso implica verdadeira abertura social e de mobilidade, o que cria pressão junto de determinadas elites que não deixaram de reagir. Há uma democratização mal tolerada do acesso aos diplomas escolares".

Quem critica é, portanto, necessariamente, preconceituoso e anti-democrata...

2. Em vez de se esclarecem dúvidas que se colocam a quem está de fora, mas que legitimamente quer conhecer e compreender, recorre-se a arrazoados a redundâncias que nada esclarecem, antes confundem... ainda mais.

Bárbara Wong: “uma das críticas é que os adultos não aprendem disciplinas formais”,

Luís Capucha: “Desminto. Há regras a cumprir que têm a ver com o cumprimento dos procedimentos necessários.

Se “há regras a cumprir”, que regras são essas que não podem ser claramente referidas?... Se "têm a ver com o cumprimento dos procedimentos necessários”, que procedimentos são esses, que não podem ser enunciados?

3. Em vez de se sistematizarem racional e objectivamente argumentos, recorre-se a crenças, a convicções individuais ou colectivas (não, isso não é filosofia da educação!).

Bárbara Wong: "Nessa velocidade não se perde qualidade?",

Luís Capucha: "O primeiro pilar da qualidade é a quantidade. Digo-o com toda a convicção. Sabemos que alunos de determinadas vias de ensino aprendem a fazer exames e a tirar notas, mas não sabemos se sabem alguma coisa quando acabam."

4. Em vez de se recorrer a conhecimento pedagógico sólido e aos meios que faculta ao ensino, à formação, à aprendizagem... recorre-se a sensibilidades de mercado e a opiniões que, acresce, serem opiniões em causa própria.

Bárbara Wong: "no processo de RVCC, as pessoas são avaliadas pelo que sabem e não pelo que aprenderam. Concorda?",

Luís Capucha: "Há dois grandes indicadores que mostram que as pessoas saem mais capacitadas, preparadas para os desafios: a adesão das empresas à INO e os testemunhos das pessoas".

Nenhum conhecimento digno de crédito [de qualquer área] nos permite afirmar com toda a certeza, sem qualquer margem para dúvidas, que os resultados académicos obtidos pelos alunos e, em sequência, os diplomas que recebem, correspondem directa, linear e integralmente ao que se pretendia que aprendessem.

Quem estudou minimamente estes assuntos saberá que certas linhas de investigação pedagógica têm, desde o início do século XX, trabalhado de maneira exemplar no assunto, o que se tem traduzido em princípios e técnicas de avaliação que, uma vez usadas correctamente, permitem obter uma maior aproximação entre o que se se pretende ensinar e o que os alunos revelam do que aprenderam.

Assim, não se pode afirmar que: "Os alunos quando obtêm um diploma, esse corresponde às competências que têm. Existem referenciais que estabelecem as áreas de competências que têm que ser possuídas e toda a avaliação de conhecimentos e os júris de certificação garantem que as pessoas possuem essas competências (...) as competências certificadas correspondem às possuídas".

Porém, esta afirmação peremptória foi feita por alguém que, além de ter ao que parece formação pedagógica, assume responsabilidades educativas assaz relevantes a nível nacional. Trata-se de uma afirmação tanto mais estranha quanto é certo que o conceito de competência é vagamente definido e diversamente entendido, mesmo pelos seus mentores.

Mais baralhados ficamos quando esse alguém declara que, afinal, nem valoriza sobremaneira os diplomas escolares. Pelo menos é o que se depreende quando numa postura dubitativa refere: "Há um factor social muito forte que tem a ver com o valor dos diplomas escolares. São muito valorizados."


Entrevista completa em:

http://www.publico.pt/Educa%C3%A7%C3%A3o/nao-ha-uma-especie-de-oferta-de-brindes-para-as-pessoas-virem-para-as-novas-oportunidades_1462412

Sem comentários:

Enviar um comentário

Este blogue é gerido por Zé da Silva.
A partilha de ideias é bem vinda, mesmo que sejam muito diferentes das minhas. Má educação é que não.