quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Entre O PEC III e o Sócrates III?

(Paulo Guinote)




Há gente muito apressada na política. Na análise e na prática. E há quem confunda desejo e vontade com factos e realidade. Quem ache que o que acha ser correcto, certo e bom se transforma em coisa só por isso mesmo.


Os factos já deveriam ter desmentido estas crenças ingénuas e quem não percebo se não vê, não quer ver ou não consegue ver.


Posso estar eu redondamente enganado, até contra a minha vontade, mas começo a vislumbrar a hipótese de um Sócrates III, tamanhos são os erros de uma oposição e os medos de outra.


Todos aqueles que vaticinaram uma rápida queda do governo de Sócrates perante a investida que parecia imparável do PSD de Passos Coelho já tinham tempo para ter acalmado. Aliás, há quem se mantenha nervoso, mas certamente porque já percebeu que tantos passos em falso estão a deixar alguns entusiasmos demasiado visíveis antes de tempo. Ao contrário do que parecia inevitável, o PSD tropeçou em si mesmo, encostou-se às redes e arrisca-se a perder ou não ganhar um combate apenas porque o adversário, mesmo de rastos, ter sabido atirar-se para cima dele e imobilizá-lo.


Neste momento, o PSD é vítima de si mesmo e de uma equipa de estrategas e tácticos que mereciam ser despedidos com mais do que justa causa, de tão ingénuos ou displicentes. Ou então são imensamente desconhecedores do país onde vivem e do seu eleitorado. Em contrapartida, Sócrates deveria beijar o chão que pisam alguns dos seus consultores.


Neste momento, o PSD tem duas hipóteses: ou ser novamente, no caso do OE muleta do governo perante o país ou ser coerente e ser apresentado como causador de uma crise que pouco fez para que acontecesse, mas que conseguiu em poucos meses parecer que também é sua.


Cavaco Silva prefere um governo com Teixeira dos Santos a ministro das Finanças do que outro com uma equipa do tipo Nogueira Leite/Frasquilho. Pode não confiar em Sócrates, mas certamente prefere tê-lo amarrado e fragilizado pela situação actual em que as Finanças é que mandam e o PM faz os floreados (basta ver o que se passou na apresentação das medidas de austeridade…), do que ter de enfrentar um governo forte de um PSD em cuja direcção notoriamente não confia.


Quem pensa que Cavaco dissolverá o Parlamento mal ganhe as eleições para um segundo mandato é capaz de estar enganado. Mas mesmo que o faça, neste momento nada garante que o PS (com ou sem Sócrates, mas mais provavelmente com ele) não ficará à frente ou muito próximo do PSD, não existindo uma maioria absoluta à direita, como as sondagens insistem em demonstrar.


Aliás, é nisso que a oposição de esquerda também joga, receosa do timing de uma queda de Sócrates. PCP e Bloco apenas coreografam a agressividade para com o PS porque sabem que, havendo maioria PSD/CDS, as coisas ainda apertarão mais. Pelo que se limitam a ir pressionando, se possível nas ruas, mas nunca de forma a causar uma queda do governo. Quanto muito ligeiras inflexões de política, que é o máximo que podem esperar. O que podem ousar querer é, terminado o tango, que o PS lhes dê a mão num cenário de PS derrotado, mas maioria de esquerda no Parlamento.


[PCP e Bloco] Poderão querer forçar uma troca de liderança no PS, mas não querem que o PS seja claramente derrotado se isso significar uma maioria de direita.


E assim continuaremos, como temos estado há meses, num chove e não molha. E mesmo havendo eleições, a táctica errada do PSD ter sublinhado os seus traços liberais, encostando (teórica e retoricamente) o PS à esquerda na defesa de um pseudo-Estado Social em desagregação, em momento de grave crise, poderá levar a que Sócrates renasça de um modo que poucos poderiam prever há alguns meses.


E sim, pior do que o PEC III, será um Sócrates III, prometendo o TGV à esquerda em troca da sobrevivência política dele, mas à custa da falência do país, marcada ali para 2013-2014, no máximo 2015, quando isto passar a ser governado por um comissário europeu nascido para lá do Sena ou do Reno.


Mas, infelizmente, é o que me parece que pode vir a acontecer.


Parafraseando o que escrevi no outro dia, não é o facto de enfrentarmos um medíocre que faz de nós bons e muito menos excelentes.


E o excesso de confiança e erros de palmatória podem ser fatais.


E nesse caso, numa disputa entre coisas que podem parecer equivalentes nos méritos, num contexto de precariedade social e económica, perde quase sempre o desconhecido.


Cavaco só ganhou, em especial as maiorias, porque Soares tinha saído deixando o PS de rastos. E Guterres só ganhou porque Cavaco tinha saído deixando o PSD de rastos. E Durão Barroso ganhou mesmo à tirinha, porque Guterres tinha saído deixando o PS de rastos. E Sócrates ganhou porque Barroso tinha saído, deixando Santana a tomar conta do forte.


Se quem está não opta por bater com a porta, quem quer entrar, fica à espera. Pelo menos tem sido assim. Para inverter esta lógica era preciso mais do que temos visto por parte de quem estava à espera que Sócrates saísse pelo seu pé. O que notoriamente não fará.

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