domingo, 3 de outubro de 2010

A Ministra da Educação e as Novas Tecnologias de Informação





“Portugal é um país traduzido do francês em calão” (Eça de Queiroz, 1845-1900)


Foi com declarado estupor que acabei de ler a notícia saída hoje no Público, intitulada “Tudo o que os alunos devem saber no final de cada ciclo”, que pressagia o desinteresse em estabelecer programas escolares, devidamente estruturados pedagógica e cientificamente, e o fim de exames sérios que avaliem no final de cada ciclo escolar aquilo que os alunos verdadeiramente sabem numa escola que tem pecado por um hedonismo exagerado que tornará o nosso ensino regular em “Novíssimas Oportunidades”, a partir já do ensino pré-escolar.


Assim, a senhora ministra da Educação não pára de surpreender o país com medidas que anuncia com candura para um desejável ensino de qualidade. Através da caixa que mudou o mundo, depois de se congratular com o facto dos nossos escolares saberem que o dia tem 24 horas, surge agora com várias medidas que mudarão o mundo da nossa escola, com o rentabilizar do negócio das Tecnologias de Informação e Comunicação a partir do ensino do fim do pré-escolar (por volta dos cinco anos de idade), como sejam jogar no computador, aceder a um programa ou página da internet, saber jogar ou desenhar, bem como “ligar ou desligar o computador” (como se pudesse aceder à internet sem saber ligar o computador!).


Agora o que me mete impressão maior, se bem interpretei a notícia supra citada, é o facto de apesar “a criança não saber ler, nem escrever aceder a um programa ou página da internet". Para olhar para eles (programa e página) " como boi para palácio", como é uso no dizer popular? Mas de mal o menos, pelo menos o aluno saberá “pegar correctamente num livro”. Pegar correctamente num livro, para não o agarrar por uma das suas páginas rasgando-a?


Todavia, saúda-se aqui o “soberaníssimo bom senso” (Antero) da possível não aplicação destas medidas por não serem documentos obrigatórios. Já agora, a partir de que idade se deverá saber utilizar o fax? Ou qual as metas a alcançar no fim dos ensino secundário em Inglês que permita ao indivíduo com um curso superior de natureza técnica discursar em universidades de língua anglo-saxónica sem se tornar numa espécie de tatebitates?

Em Portugal, no domínio de uma educação que produz “analfabetos às pazadas”, para utilizar uma feliz expressão de Medina Carreira, procura-se inspiração em países como a Austrália, Finlândia, Nova Zelândia, Reino Unido, República da Coreia e EUA, como quem encomenda um carro de corrida fórmula 1 para ser guiado por quem acaba de tirar a carta de condução depois de chumbos consecutivos. Mas até isto faz sentido num país em que os grandes planos orçamentais, por vezes, se assemelham a verdadeiras contas de merceeiro. Ou até pior!


O próprio Eça nos deu conta do costume nacional de substituir as ideias originais por cópias grosseiras, quando escreveu: “Aqui importa-se tudo: Leis, ideias, filosofias, teorias, assuntos, estéticas, ciências, estilos, indústrias, modas, maneiras, pilhérias, tudo vem em caixotes pelo paquete. A civilização custa-nos caríssimo, com os direitos de Alfândega: e é em segunda mão, não foi feita para nós, fica-nos curta nas mangas…”

Estamos no dia 3 de Outubro do ano da graça de 2010, ainda a meses, portanto, das pilhérias carnavalescas do novo ano. Mas tudo bem. Se se antecipam as medidas de austeridade para o ano em curso, por que não antecipar o corso carnavalesco de um ensino que não ensina já para este ano lectivo?

Rui Baptista (in De Rerum Natura)

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