(Ruby Rubacuore, alias Karima El Mahrou)
O jornal El País de 24 de Outubro, com base no recente Relatório da Economia Mundial do FMI, divulgou a nossa posição no ranking mundial do crescimento económico (medido em percentagem de aumento do PIB) na década passada. Em 180 nações, o nosso lugar é o antepenúltimo (com 6,5 por cento), só ficando atrás de nós a Itália (2,4 por cento) e o Haiti (-2,4 por cento, o único que decresce). Um artigo intitulado "A década perdida de Itália e Portugal" informava que a dívida pública portuguesa ronda os 80 por cento do PIB ao passo que a de Itália se aproxima dos 130 por cento.
Piores que nós parecem, portanto, estar, a avaliar por esses indicadores, os italianos. Mas estarão preocupados com isso? Bem, o assunto em Itália, por estes dias, não é a economia, mas sim a vida sexual do primeiro-ministro Sílvio Berlusconi. Funciona como uma cortina para tapar a crise. Já tinha havido uma sua relação mal esclarecida com uma menor de Nápoles, que lhe custou o divórcio (a esposa censurou os “pais que oferecem as suas virgens ao imperador”). E já tinha havido uma relação bem esclarecida, esclarecida até demais, com uma prostituta de luxo de Bari, a quem Il Cavaliere não se coibiu de recomendar técnicas sexuais. Mas agora foi anunciado o caso de uma menor de origem marroquina, Karima El Mahroug, refugiada na Sicília, que, tendo rumado ao Norte em busca da fama que só a televisão e a moda podem dar, acabou por entrar na rede que alimentava as casas do chefe de governo de Itália e por participar em festas que a própria designou como bunga-bunga referindo-se a orgias rituais africanas. Pelos escritos dos autores clássicos sabemos que Nero e Calígula terão cometido os seus excessos. Pelos jornais de hoje sabemos que Berlusconi os quer ultrapassar.
O escândalo que enche as bocas do mundo mostra que a mistura de sexo e poder é, em certas proporções, explosiva. Ora vejamos.A marroquina, de nome artístico Ruby, viu-se em apuros financeiros, apesar de ter sido paga com dinheiro e jóias pelas suas visitas à casa de Berlusconi em Milão, e terá roubado uma companheira brasileira. Tudo não passava de um mero caso de polícia, que estava a ser tratado na esquadra, quando um telefonema do próprio primeiro-ministro exigiu a libertação da detida, alegando que ela era sobrinha do presidente egípcio Mubarak. A jovem, apesar de estar em situação ilegal, não tardou em ser libertada, tendo sido entregue a uma pessoa de confiança de Berlusconi. A justiça procura agora averiguar os factos. Instado pela imprensa a esclarecer, o chefe do governo italiano não esteve com papas na língua ao comentar: “É melhor gostar de mulheres bonitas do que ser gay”. E admitiu ter ajudado a garota. Não é preciso saber muito de história para reconhecer que, no que respeita aos costumes, há um recuo relativamente aos antigos imperadores, que tanto gostavam de mulheres como de rapazes bonitos. Mas ressalta a retórica política: Berlusconi já tinha dito que quem não era por ele era contra Itália, agora diz que quem não é por ele é homosexual.
Portugal tem, na economia, óbvias parecenças com Itália. Tem-nas decerto, além da estagnação do PIB e do crescimento da dívida, nas assimetrias regionais (em Portugal a diferença é mais entre o Litoral e o Interior do que entre o Norte e o Sul, para já não falar do desmesurado centralismo da capital) e na corrupção ao mais alto nível (um deputado do PS revelou que o chefe de gabinete do secretário-geral do partido lhe ofereceu um cargo bem remunerado numa empresa pública a troco da desistência numa eleição). Mas na mistura de sexo e poder não conseguimos competir. O Presidente do Governo Regional da Madeira, talvez o político nacional mais parecido com Berlusconi, desfila mascarado no Carnaval, mas não faz, que se saiba, festas bunga-bunga. É certo que há escabrosas histórias sexuais no futebol, mas o Presidente do Porto, a quem não faltam semelhanças com o Presidente do Milão (Berlusconi, para quem não saiba), não tem a mesma ambição política. A nossa situação é má, mas podia ser pior...
Carlos Fiolhais (in Público e De Rerum Natura)
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