terça-feira, 4 de janeiro de 2011

223 491 novos automóveis


(JN de hoje)


A venda de automóveis ligeiros de passageiros aumentou, soube-se ontem, 38,8% em Portugal no ano passado, face a 2009. Em Dezembro, o pulo foi de 61,9%, quando comparado com o mesmo mês do ano anterior. As contas da Associação Automóvel de Portugal mostram que, em doze meses, os concessionários conseguiram vender 223 491 automóveis - um excelente número. Ninguém diria, à luz destas contas, que anda por aí uma crise a ensombrar o futuro dos indígenas.

É verdade que podem aduzir-se uma série de argumentos que ajudam a perceber este "boom": o IVA aumentou, o incentivo para abate de veículos terminou, o imposto sobre veículos e o imposto único de circulação ficaram mais caros, bem como a tributação em IRC. Ou seja: a compra foi antecipada, o que revela racionalidade económica.

A pergunta é: revela mesmo? Os números mostram que perto de 225 mil portugueses tinham nos seus planos a aquisição de um carro novo. É muito automóvel! As circunstâncias obrigaram-nos a antecipar a concretização do desejo, ou da necessidade. Visto às avessas: as circunstâncias não os levaram a dilatar no tempo a concretização do desejo, ou da necessidade. A esmagadora maioria das aquisições foi seguramente feita com recurso a crédito, isto é, engrossou a lista de despesas correntes das famílias, aumentando o respectivo nível de endividamento.

Trata-se de gente inconsciente? Não. Mas trata-se, certamente, de gente que ou fez muito bem as contas antes de realizar um investimento num bem de rápida deterioração financeira, ou se meteu numa alhada.

E porquê numa alhada? Porque são as famílias da chamada classe média que acedem ao tipo de veículos mais vendidos na leva do último ano, as mesmas que mais sofrem quando o Governo repara que precisa de aumentar as receitas e cortar nas despesas. Supondo que 2011 será mesmo um ano maldito (cruzes, credo!), há impostos, salários, pensões, subsídios que podem levar um novo safanão. Isto é: que podem levar mais cortes. Se a coisa correr para o torto, o Governo já o disse: deitará mão a tudo o que tiver à mão para não passar pela vergonha de ver o FMI tomar conta das nossas contas. Para essas famílias, serão então mas difícil sobreviver.

Donde: a racionalidade económica de antecipar a comprar de um veículo não é, nas actuais condições, tão evidente quanto isso. Esperemos que a realidade não se encarregue de o mostrar às famílias que se endividiram para ter um carro novo.

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