1-
Pranto pelo Dia de
Hoje
(Sophia de Mello
Breyner Andersen)
Nunca choraremos bastante quando vemos
O gesto criador ser impedido
Nunca choraremos bastante quando vemos
Que quem ousa lutar é destruído
Por troças por insídias por venenos
E por outras maneiras que sabemos
Tão sábias tão subtis e tão peritas
Que nem podem sequer ser bem
descritas.
2-
Letra para um
hino
(Manuel Alegre)
É possível falar sem um nó na
garganta
É possível amar sem que venham
proibir
É possível correr sem que seja a
fugir.
Se tens vontade de cantar não tenhas medo:
canta.
É possível andar sem olhar para o
chão
É possível viver sem que seja de
rastos.
Os teus olhos nasceram para olhar os
astros.
Se te apetecer dizer não grita comigo:
Não.
É possível viver de outro modo.
É possível transformares em arma a tua
mão.
É possível o amor. É possível o
pão.
É possível viver de pé.
Não te deixes murchar. Não deixes que te
domem.
É possível viver sem fingir que se
vive.
É possível ser homem.
É possível ser livre livre
livre.
3-
Cantiga de
Abril
(Jorge de Sena)
Qual a cor da
liberdade?
É verde, verde e
vermelha.
Quase, quase cinquenta anos
reinaram neste país,
a conta de tantos danos,
de tantos crimes e enganos,
chegava até à raiz.
Qual a cor da
liberdade?
É verde, verde e
vermelha.
Tantos morreram sem ver
o dia do despertar!
Tantos sem poder saber
com que letras escrever
com que palavras gritar!
Qual a cor da
liberdade?
É verde, verde e
vermelha.
Essa paz do cemitério
toda prisão ou censura,
e o poder feito galdério,
sem limite e sem cautério,
todo embófia e sinecura.
Qual a cor da
liberdade?
É verde, verde e
vermelha.
Esses ricos sem vergonha,
esses pobres sem futuro,
essa emigração medonha,
e a tristeza uma peçonha
envenenando o ar puro.
Qual a cor da
liberdade?
É verde, verde e
vermelha.
Essas guerras de além-mar
gastando as armas e a gente,
esse morrer e matar
sem sinal de se acabar
por política demente.
Qual a cor da
liberdade?
É verde, verde e
vermelha.
Esse perder-se no mundo
o nome de Portugal,
essa amargura sem fundo,
só miséria sem segundo,
só desespero fatal.
Qual a cor da
liberdade?
É verde, verde e
vermelha.
Quase, quase cinquenta anos
durou esta eternidade,
numa sombra de gusanos
e em negócios de ciganos,
entre mentira e maldade.
Qual a cor da
liberdade?
É verde, verde e
vermelha.
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