sexta-feira, 15 de março de 2013

Os limites da decência



por FILOMENA MARTINS (DN de sábado)

Perder, de repente, 60% a 90% dos rendimentos é uma enormidade, seja para quem for: sobre isso, que não restem dúvidas.
 
Que estamos perante um abuso fiscal, também é inegável: e a dimensão desse abuso tem de ser vista de todas as perspetivas, sobretudo a dos abusados, e não apenas sob o chapéu populista dos "ricos que paguem a crise".

Que todas as vítimas do choque de impostos deste Governo devem protestar, também é um direito mais do que legítimo.

Mas tenhamos todos a noção do ridículo: colocar Filipe Pinhal, ex-administrador do BCP, envolvido em vários processos judiciais, cuja pensão mensal será de mais de 46 mil euros, a liderar um movimento de reformados indignados contra a contribuição extraordinária de solidariedade, é um absurdo.

A iniciativa parecia até ter sido um golpe de génio de Vítor Gaspar:
  • autodescredibilizou-se de imediato,
  • tornou-se numa anedota nacional
  • e conseguiu o objetivo contrário ao pretendido,
mais do que justificando a medida governamental que se diz que o Tribunal Constitucional vetará.

Por mais que Pinhal e os 70 associados do movimento argumentem que lhe estão a fazer cortes em pensões privadas, precisam descer à terra.

As suas reformas, decididas num círculo de amigos restrito do qual todos saíram a ganhar, são pagas pelos bancos que o Estado está agora a financiar com o dinheiro de todos nós.

E há outros milhões de reformados, que cumpriram escrupulosamente os seus descontos, o seu contrato social, a quem foram feitos cortes em pensões abaixo do limiar de sobrevivência.

Os limites da decência foram ultrapassados.



Os tansos da Europa
 

Regatear é uma arte, faz parte da cultura dos comerciantes árabes, que a praticam como ninguém. Neste mundo global, a moda parece estar agora a ser adotada na relação de entreajudas na União Europeia, o que já de si é lamentável.

Pior só mesmo existir quem nem sequer perceba as regras, que são básicas: pedir cem, oferecer um e fazer negócio mais ou menos pela metade.

A Irlanda não teve dúvidas: bom negociante, perdão, bom aluno, esticou a corda e fez o pedido máximo, a extensão dos prazos dos seus empréstimos por 15 anos, visando conseguir doze ou dez.

Portugal preferiu o papel do cliente sério, honesto, subjugado: não só criticou de imediato a ambiciosa margem pedida pelos irlandeses, como se ficou pela oferta mínima - e desculpando-se por a fazer -, de cinco, dez anos talvez.

Não usou a legitimidade, que ganhou ao cumprir ao milímetro, e até mais além, o que lhe foi imposto. Nem sequer se aliou, como há muito deveria ter feito, com os outros países em risco, para juntos negociarem em posição de força com os credores internacionais.

Isto não mostra seriedade, mostra pequenez.

E sabemos como acabará: a Europa olhar-nos-á de cima e ver-nos-á, no nosso nanismo económico, como os desesperados, de mãos estendida, pela ajuda/esmola que só ela pode oferecer.

E fará o que qualquer comerciante faria estando em vantagem: o melhor negócio para si.

Se Vítor Gaspar não tivesse experiência nos meandros da Europa financeira e económica, ainda se dava desconto.

Mas depois de errar todas as previsões para o País, ainda nos colocar como tansos começa a ser demais!

[...]
 

O estado do País

O último debate quinzenal foi demolidor para o Governo. Por culpa do próprio.

Quando o primeiro-ministro informa a oposição e confessa ao País que como não há dinheiro, não há capacidade para influir no presente e poder estimular a economia e criar emprego.

Quando deixa implícito que apenas as reformas estruturais podem trazer resultados a longo prazo e faz dessa crença a sua única fé.

Quando se vangloria por estar perto de conseguir mais tempo para cumprir as metas do défice, mas não apresenta qualquer proposta para tirar partido dessa margem temporal (e financeira, supomos todos) e aplicá-la para resolver os grandes problemas nacionais.

Quando tudo isto acontece, a conclusão que podemos tirar é que o Governo está a demitir-se das suas funções.

E se a isto somarmos o prolongamento da presença da troika em Portugal, porque os resultados desta sétima avaliação não foram consensuais, e questionarmos se os cortes previstos no famoso bolo dos 4 mil milhões implicarão ainda mais austeridade este ano.

Se lhe juntarmos a moção estratégica de António José Seguro, que o líder do PS levará um congresso que não servirá para nada, recheada apenas de declarações de intenções coligidas entre o que ele pensa e António Costa lhe impôs;

ou se lermos e ouvirmos Cavaco Silva dizer que fez todos os alertas sobre os limites da capacidade de sofrimento do País ao Governo e à Europa, sabendo que esses avisos não tiveram qualquer efeito prático.

O que fica é uma imensa sensação de vazio.
 
De falta de alternativas.

Assim se explica que a marca da megamanifestação do último sábado tenha sido o silêncio.

O silêncio dos culpados


E que este divórcio das pessoas para com os políticos produza Syrizas, Grillos ou José Manuel Coelhos.

A perspetiva de um dia podermos ter um Marinho e Pinto como líder do País é assustadora.

Mas, perante tudo o que está a acontecer, é bem real.

 

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