quarta-feira, 26 de maio de 2010

Quem pára a besta?

(Frases soltas retiradas de um artigo de De Rerum Natura)

Comentários e realces de Zé da Silva.

“A educação, objecto de tanto palavrório, passa moeda falsa: promete o mundo e não dá saber ou trabalho”
(Vasco Pulido Valente).


Passado um século da implantação da República vigora neste país o reinado do facilitismo na aquisição de diplomas académicos.

Chegou-se ao ponto de criar condições de acesso ao ensino superior sem ter sido feito um percurso académico anterior completo ou satisfeito um exigente exame ad hoc, bastando para tanto um cartão do cidadão com uma data de nascimento que cumpra os 23 ou mais anos de idade.

Ou seja, como escreveu, anos atrás, nestas colunas, o deputado do Partido Socialista, Vital Moreira, “a ideia de democratizar o ensino superior pela banalização do acesso e pela crescente degradação da sua qualidade não é somente um crime contra a própria ideia de ensino superior é também politicamente pouco honesta.” [Aposto que ele já está arrependido de ter escrito isto...]

A própria Universidade, bastião da cultura de um povo, foi tomada de assalto transigindo no seu papel como denunciou corajosamente Aníbal Pinto de Castro, professor jubilado de Letras da Universidade de Coimbra, dirigindo-se ao respectivo reitor Seabra Santos, numa cerimónia oficial: “Não destruam. Não cedam. Não tenham medo porque a Universidade não pode ser uma instituição de caridade. Para isso há os asilos e a Mitra. Não pode ser um hospital de alienados” (“Diário de Coimbra”, 27/11/2005).

Mas, ainda, mesmo num percurso académico “normal” nas camadas mais jovens dos nossos escolares não são criados hábitos de trabalho: passam sempre, e de qualquer forma, até ao 9.º ano de escolaridade.

Em defesa deste oásis pedagógico, num deserto de reprovações, escrevem-se teses académicas que servem quer os desígnios dos ocupantes dos cadeirões da 5 de Outubro, quer os interesses de pais que não gostam de ver os seus filhos sem aproveitamento escolar, eufemismo de “chumbo”.

[Quem se recorda do "Pão com Manteiga"?

-Fizeste o inquérito?
-Fiz.
-E os resultados?
-Péssimos.
-Faz outro.]


Teses que embotam o próprio raciocínio de quem as defende por simples convicção ou grande dose de oportunismo, criando a miragem do sucesso escolar para toda a gente mesmo depois de António Guterres, então primeiro ministro de Portugal, ter tido a coragem e a honestidade de numa entrevista televisiva (23.Outubro.96) ter afirmado que “há alunos do 1.ºciclo do ensino básico que saem sem saber fazer contas”.

O reducionismo às técnicas pedagógicas na concepção da formação e da avaliação dos professores foi criticado por Schulman (1986) e secundado pelo sociólogo italiano Francesco Alberoni (2010) : “Na verdade, a pedagogia que nivela tudo por baixo no intuito de esbater as diferenças tem como consequência tornar ignorantes milhões de pessoas e privilegiar aqueles que podiam ir para a universidade e para escolas de excelência com professores respeitados e programas rigorosos; é por essa razão que há cada vez mais pessoas a quererem uma escola mais séria, mais rigorosa, com professores preparados e mais respeitados”.

[...]

Mas porque a voz do povo é a voz de Deus, em derradeira réstia de esperança que se cumpra, pelo menos, o aforisma de que “água mole em pedra dura…”
Posted by Rui Baptista

Comentários a este artigo, ainda publicados no De Rerum Natura:

Fartinho da Silva disse...
Caro Rui Baptista,A tal réstia de esperança é, infelizmente, algo que eu não tenho, porque os interesses instalados não permitirão tal mudança enquanto não sentirem os seus lugares em causa... e isso só acontecerá quando a grande maioria dos pais exigir uma escola pública exigente, disciplinada e disciplinadora, centrada no seu core business, pragmática e que garanta a segurança física dos seus filhos; e quando esses mesmos pais exigirem exames nacionais exigentes, com consequências e rigorosos.Enquanto isto não se verificar, continuaremos a ter o lobby das "ciências" da educação a reinar e o populismo dos políticos (por razões meramente eleitoralistas) a cimentar este enorme disparate.

.lestat disse...
Concordo em pleno com o que é exposto e debatido...parece-me que somente resta distinguir o real facilitismo do que pode ser funcional (e muitas vezes confundido com facilitismo), realista e objectivamente importante, separando no ensino o que importa do que é acessório. É também triste verificar que muitos (inclusive os profissionais da área) confundam as coisas tornando de repente todo o ensino em facilitismo, colocando tudo e todos no mesmo "saco". Contudo, existe ainda quem reflicta sobre as questões realmente importantes e vá tentando por em prática aquilo em que acredita ser de valor para os indivíduos no futuro, seja do ponto de vista académico, sejam todos os outros aspectos que possam ser opção.Excelente artigo.Cumprimentos

Anónimo disse...
Que besta... virá a seguir?!... JCN

Rui Baptista disse...
Caro João Boaventura:O seu comentário deu ampla voz à Sociologia portuguesa no ataque cerrado ao "eduquês” (quando este tece criticas a teorias pedagógicos intemporais), julgando eu poder encontrar antítese nesta parte de uma entrevista do sociólogo italiano Albert Alberoni (2010) que reproduzo do meu post: “Na verdade, a pedagogia que nivela tudo por baixo no intuito de esbater as diferenças tem como consequência tornar ignorantes milhões de pessoas e privilegiar aqueles que podiam ir para a universidade e para escolas de excelência com professores respeitados e programas rigorosos; é por essa razão que há cada vez mais pessoas a quererem uma escola mais séria, mais rigorosa, com professores preparados e mais respeitados”.Sem qualquer espécie de chauvinismo, a partir daqui será possível fazer-se a necessária síntese que expurgue possíveis excessos de ambas as partes por se tratar de” oficiais do mesmo ofício”?Cordiais cumprimentos,


joão boaventura disse...
Nada é impossível de mudarDesconfiai do mais trivial, na aparência singelo.E examinai, sobretudo, o que parece habitual.Suplicamos expressamente: não aceiteis o que é de hábito como coisa natural, pois em tempo de desordem sangrenta, de confusão organizada, de arbitrariedade consciente, de humanidade desumanizada, nada deve parecer natural nada deve parecer impossível de mudar.Bertold Brecht

Anónimo disse...
Permitam-me, caros senhores, que lhes recorde que, já por alturas de 1970, numa reunião de directores e reitores do ensino secundário (técnico e liceal), ocorrida em Pinhel, no distrito da Guarda, o então Ministro da Educação, Prof. Veiga Simão, advertia para o risco de não tardar muito para estarmos a ensinar asneiras... pedagogicamente bem. Sou testemunha presencial. Parece que, de então para cá, vem ganhando foros de profecia... a sua clarividente advertência! Será questão apenas de substituir o termo "asneiras" por "vacuidade", suponho. JCN

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