sexta-feira, 14 de maio de 2010

O abismo espera-nos se...

Dificilmente se vivem tempos como os actuais.

Tanto pela experiência de vida como pela história podem viver-se ou conhecer-se épocas marcantes, qualquer que seja o critério adoptado. Períodos de euforia, de luta, de esperança, de desânimo, de guerra, enfim, os mais variados acontecimentos que o género humano e a natureza são capazes de proporcionar.

Mas dificilmente se terá vivido, considerando o nível de desenvolvimento moral e civilizacional já atingido pela humanidade, um período em que se assista a um saque tão escandaloso do património da maior parte da sociedade por um punhado de especuladores que, dominando o capital financeiro, transformaram a generalidade dos governos em verdadeiros lacaios dos seus interesses, incapazes de um gesto de independência relativamente a esse domínio.

Enquanto os mercados de capitais não forem atacados com a mesma eficácia e com a mesma
convicção com que se ataca um bando de ladrões não voltará a haver tranquilidade no mundo. Cada um tem de fazer a sua parte, tendo sempre presente que não pode contar com os governos nem com qualquer apoio institucional para travar este combate.

[…]

Para que se faça uma ideia: nos últimos anos, a economia mundial cresceu à volta de 4%; o comércio mundial 4,5%; e o movimento de capitais 60%! Como é possível conviver com um sector financeiro que em algumas décadas cresceu várias vezes mais do que a economia real?
É neste contexto que se inserem as novas medidas acordadas em Bruxelas para Portugal e outros países. Através dessas medidas não se trata, como a experiência já demonstrou, de fazer conjunturalmente sacrifícios para garantir a médio prazo o crescimento da economia, o desenvolvimento económico, o fomento do emprego, enfim, aqueles objectivos que justificariam um sacrifício presente para alcançar uma vantagem futura.

Nada disso.

O resultado destes sacrifícios é estagnação económica, mais desemprego, menores salários, mais encargos.

E quem ganha com isso?

Antes de mais vão ganhar todos aqueles que tiverem de pagar menores salários, aqueles para os quais forem transferidos os bens públicos rentáveis e, obviamente, o capital financeiro que, continuando a fazer empréstimos a preços especulativos, duplicará, triplicará, facilmente os lucros e terá por aquela via garantida o reembolso da dívida…que não cessará de crescer.

Por outro lado, a Europa no seu conjunto enfrenta um problema de competitividade tal como o mundo é entendido.

E se neste contexto há questões a curto, médio prazo, incontornáveis, como a questão demográfica, outras há que somente são questões porque o capital organizou a vida das pessoas e das sociedades de tal modo que transforma num problema de competitividade aquilo que à partida não o era.

Referimo-nos fundamentalmente aos movimentos de capitais, à actividade financeira no seu conjunto, mas também aos produtos agrícolas, pecuários e manufacturados oriundos de países terceiros, nomeadamente emergentes.

Em primeiro lugar, a dificuldade em atacar estas questões resulta de estarmos a lidar com um grande espaço económico livre que não está sujeito a uma direcção política única.

Contrariamente ao que se passa com outro grande mercado – o dos Estados Unidos – onde se podem tomar medidas de natureza política uniformes a partir de um único centro de decisão, na Europa isso não acontece: não há qualquer governo uniforme da economia. O único governo que existe é a ausência de governo.

[…]

Em conclusão, as medidas anunciadas ou a anunciar pelo Governo apenas servem para consolidar o saque acima referido sem que entre elas e o chamado interesse geral haja qualquer coincidência.

Não é que este governo seja particularmente perverso, ou que outro do mesmo quadrante sistémico possa fazer diferente, o que se passa é que este é o lacaio de turno.

Por outro lado, tais medidas e tudo o que lhes está associado demonstram que o voto popular perdeu sentido e de nada vale perante os poderes da finança, como de resto o ministro Santos Silva com a sua conhecida falta de talento e de vergonha já se encarregou de confirmar.

Só que esta conclusão engendra outra. Se de facto o voto nada vale, porque o seu sentido pode ser mudado por via de um poder que o condiciona e desvaloriza, então este problema não pode ser resolvido através do voto. Tem que ser resolvido por outra via!

JM Correia Pinto

in

http://politeiablogspotcom.blogspot.com/2010/05/novo-saque-vista.html

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