A reorganização neoliberal da escola
A reorganização neoliberal da escola, em que
os
alunos são vistos como “clientes”,
os professores como “colaboradores”,
a
aprendizagem como um “produto”,
o sucesso académico como um indicador de
“qualidade total”,
o planeamento pedagógico como “acção de empreendedorismo”,
a
gestão escolar como “direcção corporativa”
e os pais e a comunidade como
“stakeholders”,
e o investimento como um “custo orçamental”,
esta reorganização,
dizíamos, tem destruído uma boa (e talvez a melhor) parte do edifício da escola
pública, enquanto escola democrática, inclusiva e meritocrática.
O pretenso ideal de fazer funcionar uma escola
sem professores reflexivos, activos e motivados, sem custos e sem autonomia, foi
experimentada por todos os sistemas mais ou menos autocráticos, mais ou menos
ditatoriais.
Os resultados também estiveram sempre à vista:
no Portugal do
início da década de setenta do século passado, quase metade da população era
analfabeta e apenas sete em cada cem estudantes que terminavam o secundário
continuavam estudos na universidade.
Décadas de investigação científica provaram que
todo o desinvestimento na educação sempre redundou num atraso do desenvolvimento
social, cultural e económico desses países e que as posteriores tentativas de
recuperação do “tempo perdido” se revelaram demasiado lentas e de custos
agravados.
Portugal, infelizmente, também conhece essa realidade: quase quarenta
anos após a revolução de Abril de 1974, o nosso país continua a ter níveis de
iliteracia elevados, de insucesso e abandono escolar preocupantes, taxas de
diplomados no ensino superior das mais baixas da comunidade europeia, e a prova
é que ainda temos muitos estudantes com mais habilitações académicas que os seus
pais e com avós analfabetos.
Nos últimos anos, os nossos responsáveis pela
educação têm preferido a diminuição forçada do défice orçamental, ao espontâneo
desenvolvimento e crescimento dos indicadores que ajudam a definir o conceito
constitucional de “escola para todos”. Mais recentemente, a actual equipa do ME
tem dado claros sinais de que prefere o elitismo à universalização do
conhecimento, assim como prefere a “escola académica” à “escola do
desenvolvimento integral”. Tem direito às suas opções e o dever de aceitar as
divergências.
A situação, por isso mesmo, revela-se-nos
preocupante. Com o ataque à escola pública e ao sistema nacional de saúde,
caminhamos para um grave retrocesso que nos reconduzirá a uma sociedade que
privilegia a exclusão, o lucro às pessoas, a divinização do primado do privado
sobre o bem público…
E tudo isto acontece em pleno desenvolvimento da
sociedade do conhecimento, da globalização, que também ela é partilha da
inovação e do progresso. Acontece na escola onde os actuais alunos, apesar da
sua natural diversidade, provêm de uma geração “digital”, e se revelam sujeitos
activos e imprevisíveis quanto ao domínio das novas tecnologias e, sobretudo,
quanto ao uso dos seus meios e conteúdos…
Ou seja, numa escola que alberga uma geração em
que o acompanhamento das actividades dos alunos dentro e, também, fora da sala
de aula, e em que a formação parental, proporcionada por essa mesma escola se
revelaria fundamental, ninguém se pode dar ao disparate de afirmar que existem
recursos humanos e tecnológicos dispensáveis. Recursos humanos cuja formação
especializada custou tempo, dinheiro e muito investimento em estruturas e
equipamentos, e que, de um momento para o outro, se vêem desperdiçados, num país
que necessita ainda de muita educação e promoção cultural.
Aguardemos, impacientemente, que os estudos
venham a revelar, uma vez mais, a correlação positiva que existe entre o
desinvestimento na educação e o aumento do défice sociocultural da sociedade
portuguesa, deixando-nos, eternamente, na cauda dos rankings dos países em que
os níveis de desenvolvimento social, científico e tecnológico, são os principais
indicadores da saúde e do bem-estar das suas populações.
João Ruivo
(lido no blogue "A Educação do Meu Umbigo)
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