terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Nem bom vento...

(JN de hoje)


1. Sopram ventos estranhos no Norte de África. Primeiro, foram os tunisinos a correr com o corrupto Ben Ali, dando o corpo às balas. Agora são os egípcios, dispostos a morrer para varrerem o ditador Mubarak. Ventos estranhos para nós, europeus habituados a cooperar com déspotas. Um mal menor, quando nos dizem que a alternativa é o islamismo radical e as suas estratégias de confrontação e violência. Suspirámos de alívio, há uns anos, quando a elite argelina liquidou, a ferro e fogo, os fundamentalistas que tinham vencido as eleições de forma democrática. Marrocos, Argélia, Tunísia, Líbia e Egipto ficam no nosso quintal. Para as democracias europeias, obesas e hipocondríacas, é sempre preferível fazer negócio. Ainda que o parceiro seja um patife. Até José Sócrates, político de pouco peso a nível europeu, se passeia, volta e meia, pelas areias dos desertos norte-africanos, distribuindo sorrisos e assinando contratos. Os tunisinos e os egípcios que agora enfrentam tropas, tanques e até caças, não sabem o que é o realismo político. Lembraram-se de repente de reclamar pão e liberdade e deixam os nossos governos atarantados. Primeiro, porque nunca se sabe se o déspota local se aguenta no poder, ou seja, se vai ser preciso continuar a tratá-lo como parceiro de negócios. Depois, porque estamos sempre à espera de ver surgir entre a multidão um tipo qualquer de turbante, exibindo o Corão, de bomba à cintura e apelando ao martírio. E entre um déspota e um alucinado, pouca importância tem o pão e a liberdade que aquela gente pede.



2. Já de Espanha, como de costume, nem bom vento, nem bom casamento. A semana começou com mais uma prova de que José Sócrates já não se dá ao trabalho de pensar em medidas de combate à crise, limita-se a copiar tudo o que Zapatero anuncia. E quanto pior, melhor. Já tinha sido assim com o corte de salários nos funcionários públicos. Desta vez foi com a decisão de tornar mais baratos os despedimentos. Argumenta-se que os patrões terão, assim, mais vontade de criar emprego. Uma receita infalível... ou talvez não. Em Espanha os despedimentos mais baratos não impediram novo recorde na taxa de desemprego: já são 4,7 milhões de desempregados. Aconselha-se, mesmo assim, a oposição a comprar, no quiosque, os jornais espanhóis, se quiser saber o que aí vem. Aposto singelo contra dobrado que, mais mês menos mês, vamos ser confrontados com uma proposta para atrasar a idade da reforma dos 65 para os 67 anos. Ou talvez até um pouco mais, para mostrarmos aos investidores estrangeiros como, apesar de pobres, somos espectacularmente competitivos. Suspeito é que, de direito adquirido em direito adquirido desmantelado, um destes dias serão os europeus que gritarão nas ruas por liberdade e pão.

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