sábado, 27 de outubro de 2012

O Orçamento e a rua


 
(Daniel Oliveira - Expresso - 24 de Outubro)

Está na moda dizer que a rua não pode determinar as escolhas do poder político. Compreendo o temor, mas era bom saber o que é isso da "rua". A ideia de que nós elegemos um Parlamento e, a partir desse momento, tudo o que esteja fora das instituições é indiferente ao poder é, antes de tudo, pouco democrática. A democracia não se resume, nunca se resumiu, ao voto. E o País não entra em hibernação entre eleições. As pessoas reagem a medidas, os governos reagem à reação das pessoas. Há instrumentos institucionais, políticos e sociais para impedir que os poderes eleitos entrem em roda livre. É isso a democracia.

Quando os empresários reagiram à proposta da TSU alguém considerou que o poder estava "na rua"?
Quando, há uns anos, uma associação patronal encomendou um estudo sobre o novo aeroporto da Ota e o governo recuou na sua proposta alguém se indignou com a cedência à "rua"?
Quando o governo negoceia com os parceiros sociais alguém acha que está a entregar o seu poder à "rua"?
Ou o nojo à "rua" é apenas uma posição de classe, que considera que o povoléu não tem de se envolver nas questões políticas através dos instrumentos que a democracia lhe garante?


Mas a ideia de que a rua não determina a política não é apenas pouco democrática. É idiota. Claro que, quando "a rua" consegue, pela expressividade da sua ação, dizer qualquer coisa sobre um sentimento maioritário da população, ela determina a política. E é excelente que o faça. É sinal de que a democracia não é um mero ato burocrático que se exerce de quatro em quatro anos. Foi o que aconteceu a 15 de Setembro.

Ontem, o Congresso Democrático das Alternativas lançou uma petição (http://www.congressoalternativas.org/p/peticao-oe-2013.html ) em que apelou aos deputados para se comportarem como representantes do povo e não como meros representantes das suas direções partidárias. E pediu que chumbem o Orçamento. E pediu ao Presidente de República que use o seu direito de veto e submeta a lei do Orçamento à fiscalização preventiva pelo Tribunal Constitucional. Em poucas horas, esta petição já tinha milhares de subscritores. É a "rua"? Sim. O que interessa é saber se esta "rua" representa a maioria dos portugueses. Caberá aos deputados fazer essa leitura. Saber se a recusa deste orçamento corresponde a um sentimento largamente maioritário na população portuguesa. Qualquer pessoa minimamente atenta, que ande na rua, sabe como responder a esta dúvida.
Alternativas? Têm surgido muitas, sobretudo relativas à renegociação da dívida (recentemente, as do Congresso e algumas das propostas apresentadas ontem pelo Bloco de Esquerda, por exemplo). Faltam as condições politico-partidárias para que elas sejam aplicadas por um governo com credibilidade democrática. Essa é a outra exigência que espero que os cidadãos venham a fazer

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