(Manuel Serrão - JN)
Para quem já está no pleno gozo das suas férias, mas também para quem está no pleno gozo do seu direito ao trabalho, tenho um pequeno exercício a propor: tentar recordar o valor que custava determinado bem, produto ou serviço antes da nossa adesão ao euro e comparar esse montante com o que custaria hoje, se convertêssemos o seu custo actual em euros para escudos.
Para os mais generosos proponho ainda um segundo exercício que consiste em recordar como faziam os arredondamentos para as gorjetas nos bons velhos tempos do escudo e como é que procedem hoje na era do euro.
Começando por este segundo desafio, recordo-me do tempo em que o "cimbalino" servido à mesa do café se pagava a quatro escudos e cinquenta centavos e como quase toda a gente o arredondava para os cinco escudos.
Sem mencionar o nome de família de um meu amigo, que hoje é um gestor de reconhecida competência, lembro- me que o Jorge, sempre que o número de convivas o justificava, deixava-se ficar para o fim e atacava as gorjas do empregado, completando apenas o que faltava para pagar os cafés todos.
Este episódio que retenho da minha adolescência já nos traz alguma luz sobre os preços da época (neste caso, do café) mas é mais revelador da relação que tínhamos com a nossa moeda.
Muitos anos mais tarde ouvimos o ex-presidente do Benfica proclamar que um escudo é um escudo, mas esta estória remete para a época em que 50 centavos eram 50 centavos.
Falando de euros também em versão decimal, a moeda mais próxima é a de 50 cêntimos, que contudo fica a léguas do valor dos 50 centavos, verificada a conversão.
Deixar hoje de gorjeta o equivalente aos velhinhos 50 centavos em euros já não é possível porque dois cêntimos e meio não existem e também pareceria mal, mesmo ao mais forreta dos forretas nacionais, deixar o equivalente a 50 centavos quando teria de pagar pelo café pouco menos do que 20 mil centavos.
Sem deixar cair o exemplo do café e continuando a amparar-me nessa fatia mais generosa do nosso povo (sim, não falo dos "jorges" que nunca deixam gorjeta a ninguém) hoje, custando o café menos de um euro, mas sempre mais do que 50 cêntimos, o mais normal é arredondar o pagamento. Sem pensar que no caso dos estabelecimentos mais baratos, onde o café se pode tomar a 60 ou 70 cêntimos, estamos a deixar uma gorjeta que raia os 60 ou 70 escudos. Que no tempo deles nos dariam para nos deliciarmos com uma dúzia de cafés.
Entre muitas outras razões, de entre as quais é sempre bom lembrar os incentivos da Banca ao consumo desenfreado com crédito fácil, a mudança do escudo para o euro veio aproximar-nos muito da relação que os outros europeus, bem mais ricos que nós, tinham com as suas moedas anteriores.
Com a diferença, que não é só subtil, de que o nosso poder de compra não mudou com a mesma amplitude da mudança da moeda.
Para um alemão, lidar primeiro com o marco e depois com o euro não lhe provocou grandes mudanças de atitude.
Lembro- me de ter estado na Alemanha pouco tempo antes do euro e de nem me passar pela cabeça deixar um marco para agradecer um bom serviço na confecção de um pão com salsicha e mostarda.
Já hoje, quando passo no aeroporto de Frankfurt, mando vir um pratinho de salsichas de Nuremberga (bem apetitosas, por sinal) e uma caneca e no final me passa pela cabeça deixar um euro de gorja, corro o risco de ser insultado à saída, se não sair pela esquerda baixa.
O sonho da moeda única para países diferentes era acalentado por gente que, como o antigo chanceler Kohl, também acreditava que seria possível um dia ter uma moeda única em países, senão iguais, pelo menos parecidos.
Os últimos acontecimentos que já levaram o velho estadista a dizer que a senhora Merkel lhe está a dar cabo da Europa que ele sonhou, estão também a comprometer seriamente a única coisa que se mantém igual: o euro.
Ou os nossos líderes europeus arrepiam caminho rapidamente ou qualquer dia não dou pelo euro... nem uns míseros 50 centavos.
Sem comentários:
Enviar um comentário
Este blogue é gerido por Zé da Silva.
A partilha de ideias é bem vinda, mesmo que sejam muito diferentes das minhas. Má educação é que não.