quarta-feira, 27 de julho de 2011

É preciso não confundir liberdade com libertinagem


(Visão)

Quando se fala de liberdade, há sempre um patusco que se sente incumbido da missão de prevenir os outros para um perigo que só ele não ignora: "É preciso não confundir liberdade com libertinagem." Pessoalmente, nunca fiz essa confusão.

A liberdade é um conceito admirável e puro, e a libertinagem ainda é melhor. A minha lápide dirá: "Nasci para te conhecer, para te nomear: libertinagem." Ou então: "Espero que isto seja provisório." Ainda não decidi.

Mas, quando se fala de economia, nenhum moralista nos avisa que é bom não confundir liberalismo com libertinagem. De facto, são duas ideias difíceis de distinguir uma vez que, aparentemente, não há liberalismo sem libertinagem económica. O liberalismo implica a existência de pouca-vergonha financeira. Ora, ninguém gosta mais de pouca-vergonha do que eu, mas a pouca-vergonha financeira não me entusiasma como a outra.




Talvez seja porque não percebo nada de economia. A economia, para mim, são os novos signos. Suportei anos de conversas sobre charlatanice zodiacal sem nunca saber do que se estava a falar. Os capricórnios são estáveis, os escorpiões são traiçoeiros, etc. Com a economia, sucede agora o mesmo. Toda a gente percebe de economia menos eu. Os eurobonds são estáveis, os mercados são traiçoeiros, etc.

É possível que esteja a ser injusto. Talvez haja menos charlatães da astrologia.

Para um charlatão astrológico, os escorpiões são sempre traiçoeiros.
Para um charlatão económico, os mercados podem ser traiçoeiros agora quando eram sérios há um ano.

Em princípio, é por isso que não há debates entre astrólogos: eles acham todos o mesmo.

Já os economistas, uns dizem uma coisa e outros dizem o contrário. E alguns dizem uma coisa e o contrário, como Cavaco Silva.

Numa célebre sexta-feira, a agência de notação financeira (peço ao leitor que faça como eu e finja que sabe exatamente o que é uma agência de notação financeira) Moody's atribuiu a classificação mais alta possível ao banco Lehman Brothers. Nesse fim de semana, o banco faliu.

Mesmo assim, Cavaco Silva continuou a apreciar o trabalho das agências de notação.

Quando, na semana passada, a Moody's disse que Portugal era lixo, Cavaco deixou de ser fã.

Admitamos que ambas as avaliações da Moody's estão erradas. Qual delas estará mais longe da realidade: a que atribuiu nota máxima a um banco que faliu no dia seguinte ou a que coloca Portugal no lixo? Estou indeciso.

Portugal aplicou as medidas de austeridade da troika e ainda acrescentou algumas da sua própria autoria, para tornar a austeridade um bocadinho mais austera.

Os mercados não só não se acalmaram como ficaram mais nervosos.

Parece que os mercados não gostam de austeridade.

Não apreciam as medidas que se tomam em seu nome.

O liberalismo adora os mercados, mas é um amor não correspondido: os mercados não gostam do liberalismo.

Mas gostam muito de libertinagem.

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