Maria João Marques - Observador
(excertos)
[...] começa a tornar-se difícil manter o faz-de-conta da reação
oficial do PS à prisão do seu antigo líder, a tal da separação entre partido e
caso judicial.
É
Mário Soares que não pára de fazer figuras tristes na sua tentativa de
condicionar a investigação criminal ao seu amigo e já veio exigir (que o senhor
julga que as instituições democráticas lhe respondem) que o Presidente da
República se pronuncie sobre uma investigação em curso.
São Edite Estrela e
Mário Lino – digam lá que não são, pelo menos, semideuses do Olimpo do português
médio – que também exigem que as provas sejam apresentadas ao público.
(Quem
sabe se depois de amanhã vão propor que os julgamentos de elementos ligados ao
PS sejam feitos reunindo aleatoriamente cinquenta pessoas numa praça de uma
cidade de província e a culpa ou a inocência decididas com votação por braço no
ar).
E
– a minha preferida e mais estratosfericamente fabulosa – Vera Jardim defendeu
para Sócrates, no programa da Rádio Renascença Falar Claro (5/1/2015), que a
defesa do ‘direito ao bom nome, à reputação’ poderiam ser feitos ‘mesmo violando
alguns deveres legais, porque os deveres legais cessam também perante outros
direitos das pessoas’.
Como?
É mesmo isso, reiterou o senhor (que aparentemente
não estava com nenhuma crise aguda que lhe diminuísse a capacidade cognitiva):
Sócrates ‘está sobretudo no direito de se defender mesmo que, repito, tivesse
que violar normas, regulamentos, seja o que for, porque aqui o interesse que
está em causa é mais forte’.
Parece
ser, portanto, oficial: há muito (e, neste caso, mesmo que fosse apenas Vera
Jardim, já seria muito) quem no PS considere que Sócrates não está obrigado a
respeitar a lei cujo respeito se exige aos comuns mortais que não são
socialistas (essa ralé).
Não
vou dar para o peditório de debater se a prisão preventiva é excessiva ou não em
Portugal, se a proibição da entrevista (que Sócrates furou) é aceitável ou não.
Isso poderá discutir-se depois.
Com Sócrates estão a ser usadas leis penais que
ele próprio criou (ou decidiu manter), pelo que é de inteira justiça que o
ex-primeiro-ministro seja tratado com o processo que julgou bom para aplicar a
outros.
Se os seus direitos fundamentais estão a ser questionados, é apenas
porque ele decidiu questionar os direitos fundamentais de outros que pudessem
vir a estar enredados com Ministério Público e tribunais.
A mim chega-me.
[...]
Que
Sócrates se julga acima da lei – e, pobre alma, se considere capacitado para
provocar um levantamento popular contra a sua prisão – é algo que ninguém que
tenha observado os seus governos duvida. Mas que os demais socialistas o
acompanhem na demência cívica – e o expressem com tanto despudor – confesso:
surpreende-me.
[...]
O
mais grave nisto tudo não é que várias pessoas do PS mostrem com tanta candura
como se julgam inimputáveis e jamais suscetíveis de serem judicialmente
importunadas.
Nem que, ao contrário do exemplo caseiro, nas democracias viçosas
se espere dos ex-políticos escrúpulo acrescido no cumprimento da lei e dos
deveres de cidadania.
O mais grave é haver gente no PS que já ocupou cargos
eletivos e governativos e resistiu a uma ditadura mas não faz ideia do que é um
estado de direito ou uma democracia.
Deixo
uma sugestão para o PS para a próxima revisão constitucional: criar uma casta
especial de privilegiados (os militantes de topo PS). Eu gosto muito de cores (e
de sedas), pelo que espero que não emulem os Tudor na sua proibição a todos
menos à aristocracia de usarem as sedas das cores mais bonitas. E se calhar
também não era bem pensado introduzirem as isenções fiscais aristocráticas do
Antigo Regime. Bastava, se não for abuso meu sugerir limites, imunidade
criminal. Assim ficavam expressas constitucionalmente as leis não escritas por
que alguns socialistas teimam em reger-se.
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