«Poema Pouco Original do Medo
O medo vai ter tudo
pernas
ambulâncias
e o luxo blindado
de alguns automóveis
Vai ter olhos onde
ninguém o veja
mãozinhas cautelosas
enredos quase
inocentes
ouvidos não só nas
paredes
mas também no chão
no tecto
no murmúrio dos
esgotos
e talvez até
(cautela!)
ouvidos nos teus
ouvidos
O medo vai ter tudo
fantasmas na ópera
sessões contínuas de
espiritismo
milagres
cortejos
frases corajosas
meninas exemplares
seguras casas de
penhor
maliciosas casas de
passe
conferências várias
congressos muitos
óptimos empregos
poemas originais
e poemas como este
projectos altamente
porcos
heróis
(o medo vai ter
heróis!)
costureiras reais e
irreais
operários
(assim assim)
escriturários
(muitos)
intelectuais
(o que se sabe)
a tua voz talvez
talvez a minha
com a certeza a deles
Vai ter capitais
países
suspeitas como toda a
gente
muitíssimos amigos
beijos
namorados esverdeados
amantes silenciosos
ardentes
e angustiados
Ah o medo vai ter
tudo
tudo
(Penso no que o medo
vai ter
e tenho medo
que é justamente
o que o medo quer)
O medo vai ter tudo
quase tudo
e cada um por seu
caminho
havemos todos de
chegar
quase todos
a ratos
Sim
a ratos»
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