por FERNANDA CÂNCIO (DN de hoje)
No debate da moção de censura do PS houve, perto do final, antes do discurso
de Portas (et pour cause), um momento premonitório. Relvas na bancada
governamental a abraçar os ministros da Economia e da Saúde (dois dos nomeados
em notícias recentes como remodeláveis) e a sair de seguida, solitário. Uma cena
de despedida. Tanto que, no Twitter, perguntei: "Relvas saiu do Governo?" As
respostas foram as expectáveis: "Quem dera."
Afinal, alguém deu.
Relvas saiu.
E apesar de ter decidido não dizer aos
jornalistas - e portanto ao País - porquê, a divulgação da existência de um
relatório que supostamente lhe retira a licenciatura "de equivalências" na
Lusófona é apontada como causa próxima.
Sucede que o dito relatório, agora
enviado ao Ministério Público pelo Ministério da Educação e pondo em causa a
licenciatura de "um aluno", estava há meses (quantos?) em poder do Governo.
Portanto, foi agora libertado para "justificar" a demissão - e não o
contrário.
Por motivos de conveniência político-partidária, um ministro manteve na
gaveta um relatório que põe em causa o grau académico de um colega.
É um
escândalo? Claro que sim.
Muito pior do que um ministro que antes de ser
ministro aceitou tirar um curso superior com 90% de equivalências é o
responsável da tutela que sonega ao País as conclusões de uma auditoria pública
- e quem lhe ordenou que assim procedesse.
Mas, afinal, este é o Governo dos
partidos que chegaram ao poder a prometer, já depois de assinado (e de
assinarem) o memorando, o fim da austeridade: quão surpreendidos podemos ficar
por quererem aldrabar-nos?
A pergunta a fazer, pois, não é se nos estão a tentar aldrabar: é porquê
agora e para quê.
Nas vésperas da divulgação da decisão do Tribunal
Constitucional sobre o OE 2013 (esperada para hoje), e quando paira a ameaça de
demissão do Governo, temperada com notícias que dão por certa a remodelação
exigida pelo parceiro de coligação, PP - na qual Relvas seria o primeiro a
abater -, Passos decide deixar cair o seu siamês, o homem que por todos lhe é
considerado indispensável. Fá-lo porque é o preço de permanecer à tona. Não
decerto porque ache não poder manter no Executivo um tipo com uma licenciatura
aldrabada - não foi ele, Passos, a qualificar o caso como "um não-assunto"?
Não
é decerto por vergonha, ou por respeito aos portugueses, ou por reconhecimento
de qualquer falta. Aliás, a despedida de Relvas, invocando "não ter condições
anímicas" e, portanto, remetendo o motivo não para factos mas para
"sentimentos", e frisando ter estado os últimos cinco anos a trabalhar para
fazer chegar Passos ao poder, é claríssima.
Sai por, supostamente, não aguentar
mais ataques, não por ter feito algo de errado; dirige o discurso para o partido
e não para o País.
Sai como entrou e esteve: sem dimensão nem sentido de Estado,
respirando impunidade e descaramento.
Sai como cordeiro sacrificial do seu duplo
- ou seja, fica. Antes não saísse de todo: era mais honesto.
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