domingo, 12 de fevereiro de 2012

A revolução em marcha

PEDRO MARQUES LOPES (DN)



Que o primeiro-ministro me aconselhe a não ser piegas, por eu pensar que ele com a inestimável orientação dos irresponsáveis líderes europeus está a conduzir Portugal para uma gigantesca catástrofe, é apenas uma tolice.

Não estou desempregado, ganho mais do que a maioria dos portugueses e consigo sustentar a minha família.

Serei então piegas, na opinião do primeiro-ministro.

Eu e mais uns milhares que conseguem, com menos dificuldades, aguentar os sacrifícios impostos. Até poderia argumentar que a minha revolta não tem a ver comigo mas com os meus filhos, cujo futuro, sempre na minha opinião, o primeiro-ministro está a ajudar, e de que maneira, a hipotecar. Mas, se calhar, é só pieguice minha. Ficamos assim: o primeiro-ministro acha-me piegas e eu acho que ele disse uma tolice. Tudo jóia.





(desculpem, mas não resisti... Zé da Silva)

Já não me parece que os meus concidadãos que viram ser-lhes retirado 50% do décimo terceiro mês sem qualquer razão, os funcionários públicos que vão ficar sem dois salários, os pensionistas que descontaram toda a vida para agora lhes ser dito que foi em vão, os empresários que não encontram crédito para as suas empresas funcionarem, são capazes de não ter o mesmo fair play que eu. São mesmo capazes de se sentir insultados.

Também não me parece que os quase oitocentos mil desempregados, os pensionistas que sobrevivem com quatrocentos euros por mês, os que ganham o salário mínimo ou os afortunados que ganham a perfeita loucura de setecentos e cinquenta euros se sintam propriamente elogiados quando o homem que devia saber das suas terríveis condições de vida lhes dá uma virtual pancadinha nas costas e lhes diz para não serem piegas.

É que eles até são complacentes e portam-se bem. Sabem que trabalham mais horas que os outros trabalhadores europeus, que têm menos férias e que ganham menos, e não se queixam. Apesar de saberem que a culpa do actual estado de coisas não é deles, aceitam pagar os desmandos do sistema financeiro internacional, a incompetência e a falta de visão de quem esteve ao leme dos destinos de Portugal, a loucura das Merkels, Sarkozys e quejandos. Aceitam porque pensam que não há grandes alternativas, porque interiorizaram, certa ou erradamente, que a austeridade é inevitável.
Mas até poderíamos ser complacentes com o primeiro-ministro. Já sabemos que Passos Coelho tem pouco cuidado com as palavras. O problema é que na prelecção que proferiu "o menos piegas" não surgiu do nada. Veio, sim, abrilhantar um discurso prenhe de moralismo revolucionário. Desde casar o fim da tolerância de ponto no Carnaval com uma espécie de nascimento de homem novo de "comportamento aberto e competitivo", mostrando que quem critica a medida é "um agarrado ao passado" e quem a defende "tem ambição", passando pela lembrança de que quando a troika trabalhava os portugueses gozavam feriados como se isso fosse um sinal de "velhos comportamentos preguiçosos e demasiado autocentrados", até à acusação de que quem acha que a austeridade desmesurada nos levará a um beco sem saída quer "voltar para trás" e "gastar o dinheiro que Portugal não tem", sem que faltasse o épico-revolucionário "transformação de velhas estruturas", valeu quase tudo.

Os velhos reaccionários contra os jovens revolucionários, os preguiçosos contra os trabalhadores, os que celebram um glorioso futuro e os que se agarram às velhas tradições.

A Passos Coelho só faltou mesmo exprimir claramente que, na sua opinião, as razões da crise que atravessamos são fruto da suposta preguiça e indolência portuguesa.

O "menos piegas" encaixou bem no discurso de quem pensa que é preciso destruir tudo, arrasar um modo de vida para depois construir um mundo novo em que os fortes e competitivos vencerão e os fracos chorarão na sua pieguice. Foi um discurso de um revolucionário, não de um reformador. Um discurso de um radical, não de um moderado. Um discurso de um líder de um partido qualquer, mas não de um partido social-democrata ou sequer de um liberal.

Ninguém negará ao primeiro-ministro legitimidade para impor o que acha melhor para o País e ninguém o pode acusar de, honesta e frontalmente, o não anunciar. O que talvez fosse conveniente é já em Março, durante o congresso do Partido Social Democrata, mudar o nome do partido. É que as palavras são importantes e ainda têm significado.

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