Artigo de opinião de Carlos Fiolhais, no "Público" de ontem:
Os media escolhem, nesta época, as figuras do ano. Para figura do ano a Time escolheu Barack Obama e, entre nós, o Expresso escolheu Angela Markel e o contribuinte português para figuras respectivamente internacional e nacional. Proponho-me aqui escolher o “figurão do ano” e o escolhido não pode deixar de ser Miguel Relvas, ministro Adjunto e dos Assuntos Parlamentares.
Em Portugal, no ano que ora finda, foram muitos os figurões.
Na cena política, mas também nas cenas académica, empresarial, mediática, autárquica e desportiva, vários foram os personagens que, tentando sobressair, caíram no palco com estrondo.
A escolha foi, porém, fácil, pois nenhum desses insucessos foi tão grande como o de Relvas, que, figurando em todas essas cenas, não houve nenhuma em que não caísse.
Um figurão português precisa de um título de doutor. Sem ele, não passaria de uma figurinha. Ora, Relvas conseguiu, com impressionante facilidade, tal título. Não precisava de uma resma de equivalências, pois já o tratavam por “doutor”, como mostram placas inaugurais inauguradas pelo próprio. Mas pediu-as e deram-lhas com inusitada ligeireza.
Um figurão português precisa de um título de doutor. Sem ele, não passaria de uma figurinha. Ora, Relvas conseguiu, com impressionante facilidade, tal título. Não precisava de uma resma de equivalências, pois já o tratavam por “doutor”, como mostram placas inaugurais inauguradas pelo próprio. Mas pediu-as e deram-lhas com inusitada ligeireza.
O ministro da Educação mandou instaurar um inquérito, mas o caso está longe de estar esclarecido pela universidade em causa. Por que é que uma carreira política comezinha, largamente decorrida na juventude partidária, recheada de negociatas e enriquecida por um cargo num grupo folclórico, foi considerada equivalente a 32 cadeiras?
Como é que o estudo e a avaliação puderam ser equiparadas a disputas partidárias e a jogos de influências?
O reitor que participou na bambochata demitiu-se das funções que ocupava sem nunca ter explicado o seu permissivo papel.
E Relvas, depois de ter declarado que lhe podiam ter dado mais de 32 cadeiras (queixando-se que, em todo o curso, teve de fazer quatro exames!), eclipsou-se por escassas semanas para voltar, retemperado, à ribalta.
Mas a queda académica de Relvas foi apenas um dos vários fracassos neste ano da carreira laureada pela Universidade Lusófona.
Tudo lhe tem corrido mal.
No campo do empreendorismo, vieram à tona os negócios duvidosos da Tecnoforma, uma das empresas que ajudou a singrar, e emergiram na imprensa brasileira suspeitas de ligações com o empresário colombiano-brasileiro-polaco que tentou comprar a TAP.
No campo da comunicação social, depois de ter suscitado a demissão de uma jornalista do Público, o nome de Relvas apareceu associado à demissão do director de programas da RTP, empresa que ele tutela e que queria à viva força privatizar até ao fim do ano.
Agora, que o grupo angolano Newshold declarou a sua intenção de comprar essa televisão, vale a pena lembrar o afastamento pela direcção da Antena 1, também tutelada por Relvas, de um jornalista que ousou opinar sobre a liberdade em Angola.
Onde está Relvas, há uma demissão e nunca é a dele.
No campo da reorganização administrativa, está a ser polémica a extinção à trouxe-mouxe de mais de um milhar de freguesias, enquanto a reforma dos municípios permanece na gaveta.
Não há uma uma reforma bem estudada do território, mas receia-se que, do gabinete de Relvas, venha a criação de funções intermunicipais que darão reformas douradas a ex-autarcas.
Por outro lado, devido à inábil intervenção do ministro, Fernando Seara viu-se obrigado a adiar a sua candidatura pelo PSD a Lisboa. Estará hesitante em avançar atendendo ao mais do que previsível desastre da cor laranja nas autárquicas de 2013, em Lisboa e por todo o país, incluindo o Porto.
Uma coisa é certa: Se Relvas insistir em nomear candidatos, o desastre será ainda maior.
Por último, no campo desportivo, o ano não podia ter corrido pior para o ministro, conhecida como é a sua paixão pelo Sporting.
Mas também os resultados da representação olímpica nacional deixaram a desejar: em Londres foi o que se viu (Relvas esteve lá a ver) e no Rio de Janeiro não vai ser melhor a avaliar pela actual confusão.
De facto, deste grande rol de azares de Miguel Relvas, só uma parte é imputável ao próprio.
De facto, deste grande rol de azares de Miguel Relvas, só uma parte é imputável ao próprio.
Outra parte, e substancial, é da responsabilidade do primeiro-ministro, que o mantém no polivalente lugar.
Já o escrevi nesta coluna: a queda de Miguel Relvas é a queda de Pedro Passos Coelho, já que ambos estão entrelaçados.
Têm sido dois alpinistas unidos por uma corda em conjunta ascensão política. Os dois passaram por Angola, os dois estiveram juntos na JSD, os dois colaboraram com a Tecnoforma, os dois fizeram cursos tardios em escolas privadas, os dois chegaram ao governo da nação.
Passos Coelho afirmou num órgão do seu partido que não podia prescindir de Relvas, porque ele era, em inglês, um doer.
O ministro adjunto será um “doer”, mas em português.
Os tombos de Relvas estão a doer ao chefe do governo, que bem poderia, por um momento, ser um thinker e pôr termo ao seu “doer”.
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