Como é? Sócrates pressiona ou não?
O director do "Expresso" contou hoje na Comissão de Ética que na véspera da publicação das notícias sobre a polémica licenciatura de José Sócrates, o primeiro-ministro lhe "telefonou a pedir por tudo que não publicasse" o artigo.
Henrique Monteiro, que está a ser ouvido na comissão, afirmou que foi "pressionado e de uma forma bastante clara".
"Na noite de uma quinta para sexta-feira o senhor primeiro-ministro telefonou-me e pediu-me por tudo para não publicar uma notícia sobre a sua licenciatura", contou o director do Expresso, acrescentando que estiveram "mais de uma hora ao telefone", e que questionou várias vezes José Sócrates se "queria fazer algum desmentido ou correcção".
Mas não, o primeiro-ministro pedia apenas, e reiteradamente, para que o texto não "fosse publicado". "Antes disso", contou ainda Henrique Monteiro, "já várias pessoas, políticos e não políticos me tinham manifestado incomodidade ou estranheza por notícias que tinham saído, mas por notícias que ainda não tinham saído foi a primeira vez".
Henrique Monteiro escreveu depois a José Sócrates uma "carta pessoal, onde disse que lamentava muito estas pressões". "O senhor primeiro-ministro nunca arranjou cinco minutos para me responder", lamentou.
As pressões, afirmou o director do "Expresso", são situações muito desagradáveis. O jornal, disse "pagou um preço": "Passámos a ter mais dificuldade para ter acesso às informações. Henrique Monteiro classificou o episódio de José Sócrates como a segunda maior pressão que alguma vez sofreu. A maior pressão foi, porém, de cariz económico: quando o BES, desagradado com um texto de um jornalista do Expresso, não colocou qualquer anúncio no jornal do grupo Impresa durante um ano e meio.
(in http://www.publico.pt/Media/jose-socrates-pressionou-o-director-do-expresso-para-nao-publicar-noticia-sobre-licenciatura_1424270)
quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010
terça-feira, 23 de fevereiro de 2010
Manuel António Pina (mais uma vez!...)
JN de 2010.0223
"Viva la muerte"
Só nos faltava esta: uma ministra da Cultura para quem divertir-se com o sofrimento e morte de animais é... cultura.
Anote-se o seu nome, porque ele ficará nos anais das costas largas que a "cultura" tinha no século XXI em Portugal: Gabriela Canavilhas.
É esse o nome que assina o ominoso despacho publicado ontem no DR criando uma "Secção de Tauromaquia" no Conselho Nacional de Cultura.
Ninguém se espante se, a seguir, vier uma "Secção de Lutas de Cães" ou mesmo, quem sabe?, uma de "Mutilação Genital Feminina", outras respeitáveis tradições culturais que, como a tauromaquia, há que "dignificar".
O património arquitectónico cai aos bocados? A ministra foi ali ao lado "dignificar" as touradas.
O património arqueológico degrada-se? Chove nos museus, não há pessoal, visitantes ainda menos? O teatro, o cinema, a dança, morrem à míngua? Os jovens não lêem? As artes estiolam? A ministra foi aos touros e grita "olés" e pede orelhas e sangue no Campo Pequeno.
Diz-se que Canavilhas toca piano. Provavelmente também fala Francês. E houve quem tenha julgado que isso basta para se ser ministro da Cultura...
"Viva la muerte"
Só nos faltava esta: uma ministra da Cultura para quem divertir-se com o sofrimento e morte de animais é... cultura.
Anote-se o seu nome, porque ele ficará nos anais das costas largas que a "cultura" tinha no século XXI em Portugal: Gabriela Canavilhas.
É esse o nome que assina o ominoso despacho publicado ontem no DR criando uma "Secção de Tauromaquia" no Conselho Nacional de Cultura.
Ninguém se espante se, a seguir, vier uma "Secção de Lutas de Cães" ou mesmo, quem sabe?, uma de "Mutilação Genital Feminina", outras respeitáveis tradições culturais que, como a tauromaquia, há que "dignificar".
O património arquitectónico cai aos bocados? A ministra foi ali ao lado "dignificar" as touradas.
O património arqueológico degrada-se? Chove nos museus, não há pessoal, visitantes ainda menos? O teatro, o cinema, a dança, morrem à míngua? Os jovens não lêem? As artes estiolam? A ministra foi aos touros e grita "olés" e pede orelhas e sangue no Campo Pequeno.
Diz-se que Canavilhas toca piano. Provavelmente também fala Francês. E houve quem tenha julgado que isso basta para se ser ministro da Cultura...
quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010
A 'central' do Governo
17 Fevereiro 2010 - 00h30
A história da tal ‘central’ de propaganda do Governo pode parecer uma brincadeira, mas não é:
nos últimos anos o Governo de José Sócrates usou meios públicos para fazer propaganda e campanha eleitoral.
Quais? Assessores, chefes de gabinete, membros do Governo usaram o seu tempo, pago pelo erário público, instalações do Estado, meios informáticos públicos e informação privilegiada para fins de combate político.
Como o CM demonstra nesta edição, o Governo alimentou blogues de campanha eleitoral daquela forma, mas também outros que antes e depois do tempo de eleições continuaram a ser a barriga de aluguer de argumentários e documentos pré-fabricados. Há preparação para responder a questões difíceis, por exemplo com perguntas e respostas sobre o caso BPN, ou manipulação de números sobre o investimento público, como o TGV. É tudo à vontade do freguês...
Para quem ainda há menos de 15 dias enalteceu os valores da ética republicana este é um caso politicamente desastroso e de uma legalidade muito duvidosa.
A utilização de meios do Estado, pagos pelos contribuintes, não consta de nenhum manual de história como um dos ‘valores’ do dito ideal republicano. O pagamento aos serventuários com as habituais benesses de nomeação para cargos também não.
Mas com tal Governo tudo é possível...
Eduardo Dâmaso, Director-Adjunto do "Correio da Manhã"
Formatação do texto: Zé da Silva
A história da tal ‘central’ de propaganda do Governo pode parecer uma brincadeira, mas não é:
nos últimos anos o Governo de José Sócrates usou meios públicos para fazer propaganda e campanha eleitoral.
Quais? Assessores, chefes de gabinete, membros do Governo usaram o seu tempo, pago pelo erário público, instalações do Estado, meios informáticos públicos e informação privilegiada para fins de combate político.
Como o CM demonstra nesta edição, o Governo alimentou blogues de campanha eleitoral daquela forma, mas também outros que antes e depois do tempo de eleições continuaram a ser a barriga de aluguer de argumentários e documentos pré-fabricados. Há preparação para responder a questões difíceis, por exemplo com perguntas e respostas sobre o caso BPN, ou manipulação de números sobre o investimento público, como o TGV. É tudo à vontade do freguês...
Para quem ainda há menos de 15 dias enalteceu os valores da ética republicana este é um caso politicamente desastroso e de uma legalidade muito duvidosa.
A utilização de meios do Estado, pagos pelos contribuintes, não consta de nenhum manual de história como um dos ‘valores’ do dito ideal republicano. O pagamento aos serventuários com as habituais benesses de nomeação para cargos também não.
Mas com tal Governo tudo é possível...
Eduardo Dâmaso, Director-Adjunto do "Correio da Manhã"
Formatação do texto: Zé da Silva
sábado, 13 de fevereiro de 2010
Onde está a verdade?
Onde está a verdade?
Sempre me fez muita confusão dizer-se que a situação A com os intervenientes X, Y e Z que toda a gente sabe (pronto, pensa que sabe) que aconteceu não pode ser provada, porque alguém se esqueceu de informar W e a produção de provas é nula, mesmo que salte aos olhos que é mesma verdadeira.
Ultimamente andam na baila as escutas do processo “Face Oculta”. Parece que um boy do PS foi apanhado a dizer umas coisas de que não gostou terem vindo a público. E lá vem a providência cautelar. Diga-se que foi uma excelente ajuda para as finanças do “SOL” que vendeu que se fartou.
Mas voltemos à verdade. Algo é ou não é. Este é o princípio básico da informação: sim/não; aceso/desligado, 0/1. Uma coisa não pode ser verdade para uns e mentira para outros. Ou: uma coisa não pode ser verdade hoje para uns e, para estes mesmos, ser mentira amanhã. A verdade deixou de ser um valor absoluto para muitos, com os políticos à cabeça.
No que anda na baila, ou o PS quis ou ainda quer controlar a comunicação social ou não. E não chega aparecer com poses de virgem ofendida por lhe ter desaparecido a honra… É preciso demonstrar inequivocamente que se pode governar Portugal com telhados de vidro. Eu, confesso-vos, há muito que não acredito que Sócrates ainda os tenha, de tantas pedradas que tem apanhado.
Sempre me fez muita confusão dizer-se que a situação A com os intervenientes X, Y e Z que toda a gente sabe (pronto, pensa que sabe) que aconteceu não pode ser provada, porque alguém se esqueceu de informar W e a produção de provas é nula, mesmo que salte aos olhos que é mesma verdadeira.
Ultimamente andam na baila as escutas do processo “Face Oculta”. Parece que um boy do PS foi apanhado a dizer umas coisas de que não gostou terem vindo a público. E lá vem a providência cautelar. Diga-se que foi uma excelente ajuda para as finanças do “SOL” que vendeu que se fartou.
Mas voltemos à verdade. Algo é ou não é. Este é o princípio básico da informação: sim/não; aceso/desligado, 0/1. Uma coisa não pode ser verdade para uns e mentira para outros. Ou: uma coisa não pode ser verdade hoje para uns e, para estes mesmos, ser mentira amanhã. A verdade deixou de ser um valor absoluto para muitos, com os políticos à cabeça.
No que anda na baila, ou o PS quis ou ainda quer controlar a comunicação social ou não. E não chega aparecer com poses de virgem ofendida por lhe ter desaparecido a honra… É preciso demonstrar inequivocamente que se pode governar Portugal com telhados de vidro. Eu, confesso-vos, há muito que não acredito que Sócrates ainda os tenha, de tantas pedradas que tem apanhado.
Ser professor é…
Ser professor é…
por João Torgal
(in http://amesadecafe.wordpress.com/2010/02/11/ser-professor-e/)
(os destaques são de Zé da Silva)
Mais especificamente, ser professor de matemática do ensino básico (8º e 9º anos) é essencialmente:
1. Deparar com alunos com imensas dificuldades e com uma enorme falta de bases matemáticas.
Só para se ter uma noção, poucos são aqueles que sabem calcular a área de um rectângulo, quanto é “quatro ao cubo”, somar duas fracções, dizer inequivocamente quanto é 5 – 12, resolver um problema simples que envolva apenas uma subtracção ou a tabuada (o resultado das pedagogias científicas que dizem que nada pode ser decorado e que tudo tem de ser aprendido de forma lúdica é perguntar quanto é 8×4 e dificilmente obter a resposta certa).
No entanto, fruto das medidas educativas que evitam os chumbos a todo o custo e de um facilitismo avaliativo de muitos professores que autenticamente oferecem notas para não se chatear, estes alunos vão passando de ano, mesmo que dotados de uma ignorância profunda (só mais tarde, estes alunos irão perceber que são eles as principais vítimas deste sistema educativo facilitista e perverso).
Isto está de tal forma que há exemplos na minha escola de alunos que chegam ao 5º ano sem praticamente saberem ler nem escrever (!!!).
2. Gerir uma multiplicidade de conflitos no seio da turma, com uma quantidade grande de alunos desmotivados, desinteressados e que não percepcionam na escola uma verdadeira utilidade prática.
3. Sempre que necessário, agir disciplinarmente, sabendo (professores e alunos) que a consequência prática e correctiva destas medidas é praticamente nula.
Isto porque por mais faltas disciplinares que um aluno tenha, pouco mais pode acontecer do que efectuar trabalho comunitário durante uns dias (se os pais deixarem, senão o menino fica apenas suspenso, ou seja, férias antecipadas) dado que medidas como a expulsão estão completamente fora dos regulamentos (talvez aí os alunos pensassem duas vezes antes de pisarem o risco, mas não pode ser porque, como diria Eduardo Sá de forma mais eloquente, seria uma experiência verdadeiramente humilhante e traumática, que desrespeitaria o direito fundamental da criança).
Tenho o maior respeito e consideração por alunos com casos familiares conturbados e provenientes de um meio social muito complicado (só uma pessoa fria e cruel não teria).
Mas, mesmos alunos nessas condições, têm de perceber, a bem ou a mal, que a escola é uma oportunidade que não pode ser desaproveitada, que há regras a cumprir e que há (deveria haver) medidas verdadeiramente severas para quem prevarica.
Sob pena de, como acontece, o conceito de “escola inclusiva” ser uma farsa.
Que raio de “escola inclusiva” é esta que premeia e dá múltiplas oportunidades aos alunos mais indisciplinados, enquanto aqueles que cumprem, se esforçam e se empenham são dia após dia prejudicados pelo comportamento perturbador e recorrente dos primeiros?
É o que dá quando certas leis são elaboradas por gente que não faz a mínima ideia do que é a realidade escolar no seu quotidiano, muito menos do que é o fenómeno da turma e das múltiplas variáveis que lhe estão associadas.
4. Preparar provas de recuperação para um aluno [pelos vistos vão ser eliminadas – nota de Zé da Silva] - que falte permanentemente, sabendo que, mesmo que ele reprove uma ou duas vezes, a possibilidade de, nestas circunstâncias, chumbar por faltas está sujeita a um longo processo burocrático (que mesmo assim pode não conduzir a nada, pois há sempre pressões fortes para que este não se concretize, nomeadamente algumas usando “falhas” na lei).
Ou seja, foi a forma genial encontrada pelo Ministério de ninguém chumbar por faltas, mesmo dando a ideia de que isso supostamente acontece, encarregando os professores de todo o procedimento legal em redor deste embuste.
5. Preparar e pôr em prática criteriosamente planos de acompanhamento e de recuperação, respectivamente para alunos repetentes e/ou em risco de chumbar pelo número elevado de negativas.
Há casos onde se percebe essa necessidade, por serem casos com reais dificuldades, que precisam e merecem um acompanhamento mais directo, mas, em muitas situações, este insucesso deve-se muito a falta de estudo, de atenção nas aulas e de esforço (sim, porque aprender exige esforço e sacrifício – essa ideia de que tudo tem de ser aprendido de forma divertida e natural é mais uma das grandes falácias da “escola moderna”) e, nesses casos, estes planos de acompanhamento são mais um exemplo que demonstra a importância excessiva que se dá a quem não dá valor à escola e ao conhecimento, enquanto se despreza os bons alunos que, à custa de mérito próprio, vão tendo verdadeiro sucesso educativo (mas que ficam com a sua evolução limitada pelas prioridades da escola actual – Ken Robinson tem toda a razão: a escola anda mesmo a matar a criatividade e o desenvolvimento de muito boa gente)
6. Tentar encontrar mecanismos diferenciados de avaliar e/ou abordar os conteúdos programáticos a alunos com Necessidades Educativas Especiais ou em Currículos Alternativos.
7. Dar aulas de Área Projecto (a importância desta e de outras Actividades Curriculares Não Disciplinares daria uma análise interessante, mas demasiado longa para se enquadrar neste texto).
8. Participar em múltiplas reuniões, muitas vezes inócuas, mas obrigatórias perante a lei, onde se analisam mil e um aspectos de natureza burocrática referidos anteriormente.
É tudo isto (escapei a aulas de substituição, mas, ainda assim, devo-me ter esquecido de outras coisas) e não sou director de turma.
Porque se fosse, teria ainda de, para além de ter uma proximidade maior com a turma e contactar e receber os pais (uma missão interessante, pois permite-nos ter um conhecimento maior do percurso individual dos alunos e o seu enquadramento familiar e socio-cultural, ajudando a perceber certas coisas e a tentar ser útil na orientação do seu futuro), coordenar administrativamente todo o procedimento atrás descrito, no que se refere à assiduidade, ao comportamento, à disciplina e ao aproveitamento, para além de orientar outros aspectos diversos (o dossier respectivo, o Projecto Curricular, as reuniões de conselho de turma, etc).
Para todo esse trabalho de direcção de turma, o professor tem no seu horário, para desempenhar esta função, a módica quantia de… 90 minutos semanais (!!!).
Ah!!! Já me esquecia.
Quando tenho tempo, quando as minhas missões de educador de infância, psicólogo ou funcionário administrativo me permitem, também consigo, em cerca de 10% do meu trabalho, preparar minimamente as aulas e ensinar matemática do 8º e do 9º anos (para além, naturalmente, de me preocupar com os instrumentos de avaliação).
Mas tenho que dizer isto baixinho para que os peritos do eduquês não me ouçam.
É que palavras como “ensinar”, “explicar” ou “expor” são para eles termos quase criminosos.
Porque, qualquer dia, na forma como as coisas têm evoluído, escola e conhecimento serão conceitos que só tenuemente se interceptam.
Porque a escola deixará definitivamente de ser um local onde se aprende e onde se ensina, para ser apenas um espaço de motivação e de vivência.
Com estes pressupostos e com o anunciado e vergonhoso aumento da escolaridade obrigatória até ao 12º ano, não é preciso ser grande visionário para que se preveja que, cada vez mais, cheguem às universidades verdadeiros analfabetos.
Mesmo que não no sentido literal, pelo menos do ponto de vista cultural, formativo, comportamental ou cognitivo.
Assim sendo, atendendo aos factores que referi anteriormente e ao ordenado relativamente reduzido que se recebe (têm razão os críticos quando dizem que os professores têm um ordenado chorudo: 950€ limpos numa primeira fase é, de facto, uma verdadeira fortuna), parece-me que só pode ser professor do ensino básico quem tem uma vocação absolutamente única para a multiplicidade de tarefas em redor da profissão, capaz de contornar e de superar com facilidade todos estes obstáculos profundos, quem não tem habilitações ou capacidade de desempenhar outra função na sociedade ou quem é estúpido.
Como, apesar de ter gosto em ensinar, não tenho essa capacidade de ignorar e me conformar alegremente com toda esta situação e, felizmente, tenho habilitações e capacidade para desempenhar outras tarefas profissionais, não me parece que faça muito sentido continuar a ser professor do ensino básico.
A não ser que seja estúpido…
P.S. Escrevo este texto numa altura em que acabo de corrigir 74 testes, tendo havido 8 positivas.
Tenho perfeita noção que, à luz do sistema e independentemente da falta de bases e métodos de estudo dos alunos e da sua falta de atenção, esforço e empenho, a responsabilidade destes resultados é minha e só minha, por não os ter motivado convenientemente.
Mas, claro, é fácil obter a redenção.
Basta que assuma o meu pecado e premeie o fraco desempenho com óptimas notas, contribuindo para o “sucesso” educativo português.
Nesse instante, tudo me será perdoado e passarei de imediato a ser… um “bom professor”.
por João Torgal
(in http://amesadecafe.wordpress.com/2010/02/11/ser-professor-e/)
(os destaques são de Zé da Silva)
Mais especificamente, ser professor de matemática do ensino básico (8º e 9º anos) é essencialmente:
1. Deparar com alunos com imensas dificuldades e com uma enorme falta de bases matemáticas.
Só para se ter uma noção, poucos são aqueles que sabem calcular a área de um rectângulo, quanto é “quatro ao cubo”, somar duas fracções, dizer inequivocamente quanto é 5 – 12, resolver um problema simples que envolva apenas uma subtracção ou a tabuada (o resultado das pedagogias científicas que dizem que nada pode ser decorado e que tudo tem de ser aprendido de forma lúdica é perguntar quanto é 8×4 e dificilmente obter a resposta certa).
No entanto, fruto das medidas educativas que evitam os chumbos a todo o custo e de um facilitismo avaliativo de muitos professores que autenticamente oferecem notas para não se chatear, estes alunos vão passando de ano, mesmo que dotados de uma ignorância profunda (só mais tarde, estes alunos irão perceber que são eles as principais vítimas deste sistema educativo facilitista e perverso).
Isto está de tal forma que há exemplos na minha escola de alunos que chegam ao 5º ano sem praticamente saberem ler nem escrever (!!!).
2. Gerir uma multiplicidade de conflitos no seio da turma, com uma quantidade grande de alunos desmotivados, desinteressados e que não percepcionam na escola uma verdadeira utilidade prática.
3. Sempre que necessário, agir disciplinarmente, sabendo (professores e alunos) que a consequência prática e correctiva destas medidas é praticamente nula.
Isto porque por mais faltas disciplinares que um aluno tenha, pouco mais pode acontecer do que efectuar trabalho comunitário durante uns dias (se os pais deixarem, senão o menino fica apenas suspenso, ou seja, férias antecipadas) dado que medidas como a expulsão estão completamente fora dos regulamentos (talvez aí os alunos pensassem duas vezes antes de pisarem o risco, mas não pode ser porque, como diria Eduardo Sá de forma mais eloquente, seria uma experiência verdadeiramente humilhante e traumática, que desrespeitaria o direito fundamental da criança).
Tenho o maior respeito e consideração por alunos com casos familiares conturbados e provenientes de um meio social muito complicado (só uma pessoa fria e cruel não teria).
Mas, mesmos alunos nessas condições, têm de perceber, a bem ou a mal, que a escola é uma oportunidade que não pode ser desaproveitada, que há regras a cumprir e que há (deveria haver) medidas verdadeiramente severas para quem prevarica.
Sob pena de, como acontece, o conceito de “escola inclusiva” ser uma farsa.
Que raio de “escola inclusiva” é esta que premeia e dá múltiplas oportunidades aos alunos mais indisciplinados, enquanto aqueles que cumprem, se esforçam e se empenham são dia após dia prejudicados pelo comportamento perturbador e recorrente dos primeiros?
É o que dá quando certas leis são elaboradas por gente que não faz a mínima ideia do que é a realidade escolar no seu quotidiano, muito menos do que é o fenómeno da turma e das múltiplas variáveis que lhe estão associadas.
4. Preparar provas de recuperação para um aluno [pelos vistos vão ser eliminadas – nota de Zé da Silva] - que falte permanentemente, sabendo que, mesmo que ele reprove uma ou duas vezes, a possibilidade de, nestas circunstâncias, chumbar por faltas está sujeita a um longo processo burocrático (que mesmo assim pode não conduzir a nada, pois há sempre pressões fortes para que este não se concretize, nomeadamente algumas usando “falhas” na lei).
Ou seja, foi a forma genial encontrada pelo Ministério de ninguém chumbar por faltas, mesmo dando a ideia de que isso supostamente acontece, encarregando os professores de todo o procedimento legal em redor deste embuste.
5. Preparar e pôr em prática criteriosamente planos de acompanhamento e de recuperação, respectivamente para alunos repetentes e/ou em risco de chumbar pelo número elevado de negativas.
Há casos onde se percebe essa necessidade, por serem casos com reais dificuldades, que precisam e merecem um acompanhamento mais directo, mas, em muitas situações, este insucesso deve-se muito a falta de estudo, de atenção nas aulas e de esforço (sim, porque aprender exige esforço e sacrifício – essa ideia de que tudo tem de ser aprendido de forma divertida e natural é mais uma das grandes falácias da “escola moderna”) e, nesses casos, estes planos de acompanhamento são mais um exemplo que demonstra a importância excessiva que se dá a quem não dá valor à escola e ao conhecimento, enquanto se despreza os bons alunos que, à custa de mérito próprio, vão tendo verdadeiro sucesso educativo (mas que ficam com a sua evolução limitada pelas prioridades da escola actual – Ken Robinson tem toda a razão: a escola anda mesmo a matar a criatividade e o desenvolvimento de muito boa gente)
6. Tentar encontrar mecanismos diferenciados de avaliar e/ou abordar os conteúdos programáticos a alunos com Necessidades Educativas Especiais ou em Currículos Alternativos.
7. Dar aulas de Área Projecto (a importância desta e de outras Actividades Curriculares Não Disciplinares daria uma análise interessante, mas demasiado longa para se enquadrar neste texto).
8. Participar em múltiplas reuniões, muitas vezes inócuas, mas obrigatórias perante a lei, onde se analisam mil e um aspectos de natureza burocrática referidos anteriormente.
É tudo isto (escapei a aulas de substituição, mas, ainda assim, devo-me ter esquecido de outras coisas) e não sou director de turma.
Porque se fosse, teria ainda de, para além de ter uma proximidade maior com a turma e contactar e receber os pais (uma missão interessante, pois permite-nos ter um conhecimento maior do percurso individual dos alunos e o seu enquadramento familiar e socio-cultural, ajudando a perceber certas coisas e a tentar ser útil na orientação do seu futuro), coordenar administrativamente todo o procedimento atrás descrito, no que se refere à assiduidade, ao comportamento, à disciplina e ao aproveitamento, para além de orientar outros aspectos diversos (o dossier respectivo, o Projecto Curricular, as reuniões de conselho de turma, etc).
Para todo esse trabalho de direcção de turma, o professor tem no seu horário, para desempenhar esta função, a módica quantia de… 90 minutos semanais (!!!).
Ah!!! Já me esquecia.
Quando tenho tempo, quando as minhas missões de educador de infância, psicólogo ou funcionário administrativo me permitem, também consigo, em cerca de 10% do meu trabalho, preparar minimamente as aulas e ensinar matemática do 8º e do 9º anos (para além, naturalmente, de me preocupar com os instrumentos de avaliação).
Mas tenho que dizer isto baixinho para que os peritos do eduquês não me ouçam.
É que palavras como “ensinar”, “explicar” ou “expor” são para eles termos quase criminosos.
Porque, qualquer dia, na forma como as coisas têm evoluído, escola e conhecimento serão conceitos que só tenuemente se interceptam.
Porque a escola deixará definitivamente de ser um local onde se aprende e onde se ensina, para ser apenas um espaço de motivação e de vivência.
Com estes pressupostos e com o anunciado e vergonhoso aumento da escolaridade obrigatória até ao 12º ano, não é preciso ser grande visionário para que se preveja que, cada vez mais, cheguem às universidades verdadeiros analfabetos.
Mesmo que não no sentido literal, pelo menos do ponto de vista cultural, formativo, comportamental ou cognitivo.
Assim sendo, atendendo aos factores que referi anteriormente e ao ordenado relativamente reduzido que se recebe (têm razão os críticos quando dizem que os professores têm um ordenado chorudo: 950€ limpos numa primeira fase é, de facto, uma verdadeira fortuna), parece-me que só pode ser professor do ensino básico quem tem uma vocação absolutamente única para a multiplicidade de tarefas em redor da profissão, capaz de contornar e de superar com facilidade todos estes obstáculos profundos, quem não tem habilitações ou capacidade de desempenhar outra função na sociedade ou quem é estúpido.
Como, apesar de ter gosto em ensinar, não tenho essa capacidade de ignorar e me conformar alegremente com toda esta situação e, felizmente, tenho habilitações e capacidade para desempenhar outras tarefas profissionais, não me parece que faça muito sentido continuar a ser professor do ensino básico.
A não ser que seja estúpido…
P.S. Escrevo este texto numa altura em que acabo de corrigir 74 testes, tendo havido 8 positivas.
Tenho perfeita noção que, à luz do sistema e independentemente da falta de bases e métodos de estudo dos alunos e da sua falta de atenção, esforço e empenho, a responsabilidade destes resultados é minha e só minha, por não os ter motivado convenientemente.
Mas, claro, é fácil obter a redenção.
Basta que assuma o meu pecado e premeie o fraco desempenho com óptimas notas, contribuindo para o “sucesso” educativo português.
Nesse instante, tudo me será perdoado e passarei de imediato a ser… um “bom professor”.
Existe a Verdade?
O que é grave não é o primeiro-ministro ser apanhado a faltar à verdade. O que é grave é que isso aconteça num negócio em que ele se empenhou e que visava uma televisão contra a qual tinha lançado uma fatwa. Agora amanhe-se.
Ricardo Costa, Expresso, 13 de Fevereiro de 2010
Ricardo Costa, Expresso, 13 de Fevereiro de 2010
terça-feira, 9 de fevereiro de 2010
Buraco da fechadura - Eduardo Dâmaso
Onde estão os factos da ‘Face Oculta’ na versão ‘atentado ao Estado de Direito’?
É simples: durante uma investigação judicial legítima em que Armando Vara e Paulo Penedos são suspeitos de ajudar um empresário aparecem conversas com um administrador da PT que indiciam a manipulação da empresa para
- comprar e controlar editorialmente a TVI;
- condicionar a liberdade editorial do ‘Público’;
- criar um condicionalismo ao Presidente da República, indiciando que Cavaco Silva será - vulnerável a alegados negócios a propor a um familiar.
O negócio da PT visaria afastar José Eduardo Moniz e Manuela Moura Guedes, mas nas conversas entre o dito administrador da PT e o seu assessor jurídico são anunciadas "grandes mudanças na Comunicação Social". Não será, por si, um crime. O crime pode estar no uso e manipulação de bens públicos, abuso de poder, etc.
Mas seria mais saudável investigar do que abafar.
Tal como seria politicamente melhor discutir esta ideia de move-tira-põe-mexe em jornais e televisões que atravessa as conversas dos dois jovens quadros do PS.
Mau é reduzi-las a "conversas privadas" e a sua divulgação a "jornalismo de buraco de fechadura". Isso chama-se desespero porque o que elas evidenciam são negócios de sarjeta ao serviço de uma política de sarjeta cujo escrutínio obrigatoriamente nos interpela.
Eduardo Dâmaso, Director-Adjunto (in Correio da Manhã de 9 de Fevereiro)
-texto formatado pelo Zé da Silva
É simples: durante uma investigação judicial legítima em que Armando Vara e Paulo Penedos são suspeitos de ajudar um empresário aparecem conversas com um administrador da PT que indiciam a manipulação da empresa para
- comprar e controlar editorialmente a TVI;
- condicionar a liberdade editorial do ‘Público’;
- criar um condicionalismo ao Presidente da República, indiciando que Cavaco Silva será - vulnerável a alegados negócios a propor a um familiar.
O negócio da PT visaria afastar José Eduardo Moniz e Manuela Moura Guedes, mas nas conversas entre o dito administrador da PT e o seu assessor jurídico são anunciadas "grandes mudanças na Comunicação Social". Não será, por si, um crime. O crime pode estar no uso e manipulação de bens públicos, abuso de poder, etc.
Mas seria mais saudável investigar do que abafar.
Tal como seria politicamente melhor discutir esta ideia de move-tira-põe-mexe em jornais e televisões que atravessa as conversas dos dois jovens quadros do PS.
Mau é reduzi-las a "conversas privadas" e a sua divulgação a "jornalismo de buraco de fechadura". Isso chama-se desespero porque o que elas evidenciam são negócios de sarjeta ao serviço de uma política de sarjeta cujo escrutínio obrigatoriamente nos interpela.
Eduardo Dâmaso, Director-Adjunto (in Correio da Manhã de 9 de Fevereiro)
-texto formatado pelo Zé da Silva
segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010
Notícias do naufrágio
Notícias do naufrágio
por Manuel António Pina
Diz-se que, enquanto o Titanic se afundava, no salão de festas a orquestra continuou a tocar. A ter sido assim, deve ter havido um momento em que, ou porque a água chegou aos instrumentos ou porque chegou o pânico aos instrumentistas, a orquestra desafinou.
Ouve-se o primeiro-ministro dizer que o défice foi, afinal, uma opção do Governo, espécie de derrapagem controlada para tentar sair em velocidade da curva e, ao mesmo tempo, o ministro das Finanças confessar que se enganou quanto ao tamanho do "iceberg", e a desafinação dos solistas da crise orçamental não parece bom prenúncio.
Acrescente-se a visão do governador do Banco de Portugal metido num bote a caminho de uma organização internacional e ceceando a monótona mantra do "Aumentem-se os impostos, baixem-se os salários" enquanto se multiplicam os rombos na credibilidade das instituições, e justificar-se-ia que crescesse a inquietação.
Mas o Sporting perde, o Benfica empata, o seleccionador nacional esmurra não sei quem e Mimi Travessuras vem cantar a Lisboa. E, como que por milagre, dissipam-se, a julgar pelos jornais, todos os perigos.
(Publicado no Jornal de Notícias em 8 de Fevereiro)
por Manuel António Pina
Diz-se que, enquanto o Titanic se afundava, no salão de festas a orquestra continuou a tocar. A ter sido assim, deve ter havido um momento em que, ou porque a água chegou aos instrumentos ou porque chegou o pânico aos instrumentistas, a orquestra desafinou.
Ouve-se o primeiro-ministro dizer que o défice foi, afinal, uma opção do Governo, espécie de derrapagem controlada para tentar sair em velocidade da curva e, ao mesmo tempo, o ministro das Finanças confessar que se enganou quanto ao tamanho do "iceberg", e a desafinação dos solistas da crise orçamental não parece bom prenúncio.
Acrescente-se a visão do governador do Banco de Portugal metido num bote a caminho de uma organização internacional e ceceando a monótona mantra do "Aumentem-se os impostos, baixem-se os salários" enquanto se multiplicam os rombos na credibilidade das instituições, e justificar-se-ia que crescesse a inquietação.
Mas o Sporting perde, o Benfica empata, o seleccionador nacional esmurra não sei quem e Mimi Travessuras vem cantar a Lisboa. E, como que por milagre, dissipam-se, a julgar pelos jornais, todos os perigos.
(Publicado no Jornal de Notícias em 8 de Fevereiro)
domingo, 7 de fevereiro de 2010
Carta demolidora ao Papa
Carta demolidora ao Papa
por ANSELMO BORGES
O autor da carta, Henri Boulad, 78 anos, é um jesuíta egípcio de rito melquita. Não é um jesuíta qualquer: há treze anos que é reitor do colégio dos jesuítas no Cairo, depois de ter sido superior dos jesuítas em Alexandria, superior regional, professor de Teologia no Cairo. Conhece bem a hierarquia católica do Egipto e da Europa. Visitou quarenta países nos vários continentes, dando conferências, e publicou trinta livros em quinze línguas. A sua carta, inspirada na "liberdade dos filhos de Deus" e a partir de "um coração que sangra ao ver o abismo no qual a nossa Igreja está a precipitar-se", funda-se, pois, num "conhecimento real da Igreja universal e da sua situação actual".
A carta tem três partes: a presente situação, a reacção da Igreja, propostas. Há constatações que não podem ser ignoradas.
1. Assiste-se à queda constante da prática religiosa. Quem frequenta as igrejas na Europa e no Canadá são pessoas da terceira idade, de tal modo que, por este andar, será necessário fechar igrejas e transformá-las em museus, mesquitas ou bibliotecas.
2. Os seminários e os noviciados também continuam a esvaziar-se.
3. São muitos os sacerdotes que abandonam, e os que ficam - a sua média etária ultrapassa frequentemente a da reforma - têm a seu cargo várias paróquias. "Muitos deles, tanto na Europa como no Terceiro Mundo, vivem em concubinato à vista dos fiéis, que normalmente os aceitam, e do seu bispo, que não aceita, mas vai fechando os olhos por causa da escassez de clero."
4. A linguagem da Igreja é "obsoleta, anacrónica, aborrecida, repetitiva, moralizante, completamente inadaptada ao nosso tempo".
5. Impõe-se uma "nova evangelização", inventando uma linguagem nova. "Temos de constatar que a nossa fé é muito cerebral, abstracta, dogmática, e se dirige muito pouco ao coração e ao corpo."
6. Não é, pois, de estranhar que muitos cristãos se voltem para as religiões da Ásia, as seitas, a New Age, o ocultismo. A fé cristã aparece-lhes hoje como "um enigma, restos de um passado acabado".
7. No plano moral, "as declarações do Magistério, repetidas à saciedade, sobre o casamento, a contracepção, o aborto, a eutanásia, a homossexualidade, o casamento dos padres, os divorciados que voltam a casar, etc., já não dizem nada a ninguém e apenas provocam indiferença".
8. A Igreja católica, que foi a grande educadora da Europa, "parece esquecer que esta Europa chegou à maturidade" e "não quer ser tratada como menor de idade".
9. Paradoxalmente, são as nações mais católicas do passado que agora caem no ateísmo, no agnosticismo, na indiferença. Quanto mais dominado e protegido pela Igreja foi um povo no passado, "mais forte é a reacção contra ela".
10. O diálogo com as outras Igrejas e religiões está hoje em "preocupante retrocesso".
A reacção da Igreja é a de minimizar a gravidade da situação, apelar à confiança no Senhor, apoiar-se na ala mais conservadora ou nos países do Terceiro Mundo.
Esquece-se que "a modernidade é irreversível" e que também "as novas Igrejas do Terceiro Mundo atravessarão, mais cedo ou mais tarde, as mesmas crises que a velha cristandade europeia conheceu".
Que fazer?
"A Igreja tem hoje uma necessidade imperiosa e urgente de uma tríplice reforma."
1. Uma reforma teológica e catequética, para repensar a fé e "reformulá-la de modo coerente para os nossos contemporâneos".
2. Uma reforma pastoral, "para repensar de cabo a rabo as estruturas herdadas do passado".
3. Uma reforma espiritual, para revitalizar a mística e repensar os sacramentos.
"A Igreja de hoje é demasiado formal, demasiado formalista", como se o importante fosse "uma estabilidade puramente exterior, uma honestidade superficial, certa fachada".
Que sugere então o padre H. Boulad?
"A convocatória de um sínodo geral a nível da Igreja universal, no qual participassem todos os cristãos - católicos e outros - para examinar com toda a franqueza e clareza estes e outros pontos. Esse sínodo, que duraria três anos, terminaria com uma assembleia geral que sintetizasse os resultados desta investigação e tirasse daí as conclusões."
(Anselmo Borges é padre, teólogo e filósofo; este texto foi publicado no Diário de Notícias em 6 de Fevereiro)
por ANSELMO BORGES
O autor da carta, Henri Boulad, 78 anos, é um jesuíta egípcio de rito melquita. Não é um jesuíta qualquer: há treze anos que é reitor do colégio dos jesuítas no Cairo, depois de ter sido superior dos jesuítas em Alexandria, superior regional, professor de Teologia no Cairo. Conhece bem a hierarquia católica do Egipto e da Europa. Visitou quarenta países nos vários continentes, dando conferências, e publicou trinta livros em quinze línguas. A sua carta, inspirada na "liberdade dos filhos de Deus" e a partir de "um coração que sangra ao ver o abismo no qual a nossa Igreja está a precipitar-se", funda-se, pois, num "conhecimento real da Igreja universal e da sua situação actual".
A carta tem três partes: a presente situação, a reacção da Igreja, propostas. Há constatações que não podem ser ignoradas.
1. Assiste-se à queda constante da prática religiosa. Quem frequenta as igrejas na Europa e no Canadá são pessoas da terceira idade, de tal modo que, por este andar, será necessário fechar igrejas e transformá-las em museus, mesquitas ou bibliotecas.
2. Os seminários e os noviciados também continuam a esvaziar-se.
3. São muitos os sacerdotes que abandonam, e os que ficam - a sua média etária ultrapassa frequentemente a da reforma - têm a seu cargo várias paróquias. "Muitos deles, tanto na Europa como no Terceiro Mundo, vivem em concubinato à vista dos fiéis, que normalmente os aceitam, e do seu bispo, que não aceita, mas vai fechando os olhos por causa da escassez de clero."
4. A linguagem da Igreja é "obsoleta, anacrónica, aborrecida, repetitiva, moralizante, completamente inadaptada ao nosso tempo".
5. Impõe-se uma "nova evangelização", inventando uma linguagem nova. "Temos de constatar que a nossa fé é muito cerebral, abstracta, dogmática, e se dirige muito pouco ao coração e ao corpo."
6. Não é, pois, de estranhar que muitos cristãos se voltem para as religiões da Ásia, as seitas, a New Age, o ocultismo. A fé cristã aparece-lhes hoje como "um enigma, restos de um passado acabado".
7. No plano moral, "as declarações do Magistério, repetidas à saciedade, sobre o casamento, a contracepção, o aborto, a eutanásia, a homossexualidade, o casamento dos padres, os divorciados que voltam a casar, etc., já não dizem nada a ninguém e apenas provocam indiferença".
8. A Igreja católica, que foi a grande educadora da Europa, "parece esquecer que esta Europa chegou à maturidade" e "não quer ser tratada como menor de idade".
9. Paradoxalmente, são as nações mais católicas do passado que agora caem no ateísmo, no agnosticismo, na indiferença. Quanto mais dominado e protegido pela Igreja foi um povo no passado, "mais forte é a reacção contra ela".
10. O diálogo com as outras Igrejas e religiões está hoje em "preocupante retrocesso".
A reacção da Igreja é a de minimizar a gravidade da situação, apelar à confiança no Senhor, apoiar-se na ala mais conservadora ou nos países do Terceiro Mundo.
Esquece-se que "a modernidade é irreversível" e que também "as novas Igrejas do Terceiro Mundo atravessarão, mais cedo ou mais tarde, as mesmas crises que a velha cristandade europeia conheceu".
Que fazer?
"A Igreja tem hoje uma necessidade imperiosa e urgente de uma tríplice reforma."
1. Uma reforma teológica e catequética, para repensar a fé e "reformulá-la de modo coerente para os nossos contemporâneos".
2. Uma reforma pastoral, "para repensar de cabo a rabo as estruturas herdadas do passado".
3. Uma reforma espiritual, para revitalizar a mística e repensar os sacramentos.
"A Igreja de hoje é demasiado formal, demasiado formalista", como se o importante fosse "uma estabilidade puramente exterior, uma honestidade superficial, certa fachada".
Que sugere então o padre H. Boulad?
"A convocatória de um sínodo geral a nível da Igreja universal, no qual participassem todos os cristãos - católicos e outros - para examinar com toda a franqueza e clareza estes e outros pontos. Esse sínodo, que duraria três anos, terminaria com uma assembleia geral que sintetizasse os resultados desta investigação e tirasse daí as conclusões."
(Anselmo Borges é padre, teólogo e filósofo; este texto foi publicado no Diário de Notícias em 6 de Fevereiro)
sábado, 6 de fevereiro de 2010
Contra a escola-armazém
PUBLICO.PT
Contra a escola-armazém
Daniel Sampaio
Merece toda a atenção a proposta de escola a tempo inteiro (das 7h30 às 19h30?), formulada pela Confederação Nacional das Associações de Pais (Confap).
Percebe-se o ponto de vista dos proponentes: como ambos os progenitores trabalham o dia inteiro, será melhor deixar as crianças na escola do que sozinhas em casa ou sem controlo na rua, porque a escola ainda é um território com relativa segurança.
Compreende-se também a dificuldade de muitos pais em assegurarem um transporte dos filhos a horas convenientes, sobretudo nas zonas urbanas: com o trânsito caótico e o patrão a pressionar para que não saiam cedo, será melhor trabalhar um pouco mais e ir buscar os filhos mais tarde.
Ao contrário do que parecia em declarações minhas mal transcritas no PÚBLICO de 7 de Fevereiro, eu não creio à partida que será muito mau para os alunos ficar tanto tempo na escola. Quando citei o filme Paranoid Park, de Gus von Sant, pretendia apenas chamar a atenção para tantas crianças que, na escola e em casa, não conseguem consolidar laços afectivos profundos com adultos, por falta de disponibilidade destes. É que não consigo conceber um desenvolvimento da personalidade sem um conjunto de identificações com figuras de referência, nos diversos territórios onde os mais novos se movem.
O meu argumento é outro: não estaremos a remediar à pressa um mal-estar civilizacional, pedindo aos professores (mais uma vez...) que substituam a família? Se os pais têm maus horários, não deveriam reivindicar melhores condições de trabalho, que passassem, por exemplo, pelo encurtamento da hora do almoço, de modo a poderem chegar mais cedo, a tempo de estar com os filhos? Não deveria ser esse um projecto de luta das associações de pais?
Importa também reflectir sobre as funções da escola. Temos na cabeça um modelo escolar muito virado para a transmissão concreta de conhecimentos, mas a escola actual é uma segunda casa e os professores, na sua grande maioria, não fazem só a instrução dos alunos, são agentes decisivos para o seu bem-estar: perante a indisponibilidade de muitos pais e face a famílias sem coesão onde não é rara a doença mental, são os promotores (tantas vezes únicos!) das regras de relacionamento interpessoal e dos valores éticos fundamentais para a sobrevivência dos mais novos. Perante o caos ou o vazio de muitas casas, os docentes, tantas vezes sem condições e submersos pela burocracia ministerial, acabam por conseguir guiar os estudantes na compreensão do mundo.
A escola já não é, portanto, apenas um local onde se dá instrução, é um território crucial para a socialização e educação (no sentido amplo) dos nossos jovens. Daqui decorre que, como já se pediu muito à escola e aos professores, não se pode pedir mais: é tempo de reflectirmos sobre o que de facto lá se passa, em vez de ampliarmos as funções dos estabelecimentos de ensino, numa direcção desconhecida.
Por isso entendo que a proposta de alargar o tempo passado na escola não está no caminho certo, porque arriscamos transformá-la num armazém de crianças, com os pais a pensar cada vez mais na sua vida profissional.
A nível da família, constato muitas vezes uma diminuição do prazer dos adultos no convívio com as crianças: vejo pais exaustos, desejosos de que os filhos se deitem depressa, ou pelo menos com esperança de que as diversas amas electrónicas os mantenham em sossego durante muito tempo.
Também aqui se impõe uma reflexão sobre o significado actual da vida em família: para mim, ensinado pela Psicologia e Psiquiatria de que é fundamental a vinculação de uma criança a um adulto seguro e disponível, não faz sentido aceitar que esse desígnio possa alguma vez ser bem substituído por uma instituição como a escola, por melhor que ela seja.
Gostaria, pois, que os pais se unissem para reivindicar mais tempo junto dos filhos depois do seu nascimento, que fizessem pressão nas autarquias para a organização de uma rede eficiente de transportes escolares, ou que sensibilizassem o mundo empresarial para horários com a necessária rentabilidade, mas mais compatíveis com a educação dos filhos e com a vida em família.
Aos professores, depois de um ano de grande desgaste emocional, conviria que não aceitassem mais esta "proletarização" do seu desempenho: é que passar filmes para os meninos depois de tantas aulas dadas - como foi sugerido pelos autores da proposta que agora comento - não parece muito gratificante e contribuirá, mais uma vez, para a sua sobrecarga e para a desresponsabilização dos pais.
© Copyright PÚBLICO Comunicação Social SA
Contra a escola-armazém
Daniel Sampaio
Merece toda a atenção a proposta de escola a tempo inteiro (das 7h30 às 19h30?), formulada pela Confederação Nacional das Associações de Pais (Confap).
Percebe-se o ponto de vista dos proponentes: como ambos os progenitores trabalham o dia inteiro, será melhor deixar as crianças na escola do que sozinhas em casa ou sem controlo na rua, porque a escola ainda é um território com relativa segurança.
Compreende-se também a dificuldade de muitos pais em assegurarem um transporte dos filhos a horas convenientes, sobretudo nas zonas urbanas: com o trânsito caótico e o patrão a pressionar para que não saiam cedo, será melhor trabalhar um pouco mais e ir buscar os filhos mais tarde.
Ao contrário do que parecia em declarações minhas mal transcritas no PÚBLICO de 7 de Fevereiro, eu não creio à partida que será muito mau para os alunos ficar tanto tempo na escola. Quando citei o filme Paranoid Park, de Gus von Sant, pretendia apenas chamar a atenção para tantas crianças que, na escola e em casa, não conseguem consolidar laços afectivos profundos com adultos, por falta de disponibilidade destes. É que não consigo conceber um desenvolvimento da personalidade sem um conjunto de identificações com figuras de referência, nos diversos territórios onde os mais novos se movem.
O meu argumento é outro: não estaremos a remediar à pressa um mal-estar civilizacional, pedindo aos professores (mais uma vez...) que substituam a família? Se os pais têm maus horários, não deveriam reivindicar melhores condições de trabalho, que passassem, por exemplo, pelo encurtamento da hora do almoço, de modo a poderem chegar mais cedo, a tempo de estar com os filhos? Não deveria ser esse um projecto de luta das associações de pais?
Importa também reflectir sobre as funções da escola. Temos na cabeça um modelo escolar muito virado para a transmissão concreta de conhecimentos, mas a escola actual é uma segunda casa e os professores, na sua grande maioria, não fazem só a instrução dos alunos, são agentes decisivos para o seu bem-estar: perante a indisponibilidade de muitos pais e face a famílias sem coesão onde não é rara a doença mental, são os promotores (tantas vezes únicos!) das regras de relacionamento interpessoal e dos valores éticos fundamentais para a sobrevivência dos mais novos. Perante o caos ou o vazio de muitas casas, os docentes, tantas vezes sem condições e submersos pela burocracia ministerial, acabam por conseguir guiar os estudantes na compreensão do mundo.
A escola já não é, portanto, apenas um local onde se dá instrução, é um território crucial para a socialização e educação (no sentido amplo) dos nossos jovens. Daqui decorre que, como já se pediu muito à escola e aos professores, não se pode pedir mais: é tempo de reflectirmos sobre o que de facto lá se passa, em vez de ampliarmos as funções dos estabelecimentos de ensino, numa direcção desconhecida.
Por isso entendo que a proposta de alargar o tempo passado na escola não está no caminho certo, porque arriscamos transformá-la num armazém de crianças, com os pais a pensar cada vez mais na sua vida profissional.
A nível da família, constato muitas vezes uma diminuição do prazer dos adultos no convívio com as crianças: vejo pais exaustos, desejosos de que os filhos se deitem depressa, ou pelo menos com esperança de que as diversas amas electrónicas os mantenham em sossego durante muito tempo.
Também aqui se impõe uma reflexão sobre o significado actual da vida em família: para mim, ensinado pela Psicologia e Psiquiatria de que é fundamental a vinculação de uma criança a um adulto seguro e disponível, não faz sentido aceitar que esse desígnio possa alguma vez ser bem substituído por uma instituição como a escola, por melhor que ela seja.
Gostaria, pois, que os pais se unissem para reivindicar mais tempo junto dos filhos depois do seu nascimento, que fizessem pressão nas autarquias para a organização de uma rede eficiente de transportes escolares, ou que sensibilizassem o mundo empresarial para horários com a necessária rentabilidade, mas mais compatíveis com a educação dos filhos e com a vida em família.
Aos professores, depois de um ano de grande desgaste emocional, conviria que não aceitassem mais esta "proletarização" do seu desempenho: é que passar filmes para os meninos depois de tantas aulas dadas - como foi sugerido pelos autores da proposta que agora comento - não parece muito gratificante e contribuirá, mais uma vez, para a sua sobrecarga e para a desresponsabilização dos pais.
© Copyright PÚBLICO Comunicação Social SA
quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010
Ensino para a tecnologia ou com a tecnologia? Uma questão actual.
Ensino para a tecnologia ou com a tecnologia? Uma questão actual
Carla Marques*
Numa altura em que vivemos rodeados pelo pragmatismo e pelo imediatismo questionamo-nos muitas vezes sobre a utilidade de certos conhecimentos, cuja aquisição não produz efeitos imediatos e visíveis. Sempre em busca de um ensino de tipo hedonista, muitos alunos reagem de forma diferente a actividades e conteúdos distintos, evidenciando o seu gosto por zonas de aprendizagem associadas ao consumo rápido, à resposta instantânea e manifestando o seu desprezo pelos conhecimentos sem “aplicação ao mundo real”. De forma mais ou menos consciente, o ensino adapta-se em muitas das suas vertentes a esta realidade que nos envolve, relegando para segundo plano a aprendizagem construída a longo prazo, os conhecimentos entrelaçados que resultam do esforço cognitivo e do trabalho pessoal. As manifestações deste novo enquadramento que se vem apoderando do ensino, mudando matrizes de aprendizagem e interferindo directamente nas práticas quotidianas encontram-se um pouco por todo o lado na escola portuguesa. Gostaríamos de destacar hoje a tecnologia.
As escolas têm vindo a apetrechar-se de centenas de quadros interactivos e de projectores, cuja utilização é, não raro, duvidosa. Funcionam muitas vezes como quadro branco de projecção de imagem, exactamente como acontecia com as “velhinhas” telas de projecção. Noutros casos, enchem-se de imagens que terão como intuito motivar os alunos, mas que, em grande maioria, apenas contribuem para uma atitude cognitivamente apática: são bonecos que explicam os mistérios do corpo humano, equações que se completam sozinhas, textos que se lêem a si próprios, exercícios truncados que se auto-corrigem. Os alunos ali ficam como se estivessem a assistir a um programa de televisão ou em frente do ecrã do seu computador. A postura activa e a autonomia coarctam-se.
Bem sabemos que esta visão do fenómeno tecnológico poderá invocar as posições dos “velhos do Restelo” do ensino, mas também estamos cientes de que muito frequentemente necessitamos de atingir os extremos, tocar o exagero para reencontrar o equilíbrio necessário. Falta construir a ponte entre a inovação e a tradição. E no contexto do ensino há uma realidade que se tem mantido inquestionável ao longo dos séculos: aprender exige esforço e dedicação. A consolidação do saber e o seu aprofundamento alia-se estreitamente ao factor tempo.
Urge, no actual contexto do ensino, construir um novo paradigma que apague os excessos do presente e recupere as lições do passado. No ensino, as ferramentas tecnológicas nunca poderão ser um fim em si próprias, serão tão-somente um meio. A alienação e a superficialidade que estas introduzem no mundo escolar terão de ser repensadas e todas as suas potencialidades colocadas ao serviço do verdadeiro objectivo de um sistema de ensino: a formação de adultos competentes, conhecedores, capazes de construir o seu saber e de o gerir em função das suas necessidades.
Enquanto a Escola viver deslumbrada com as luzes do progresso, será este a subjugá-la e não o contrário, como seria conveniente.
*Carla Marques - Mestre em Linguística e doutoranda na mesma área; autora de várias publicações de carácter didáctico e de carácter linguístico: docente na Escola Secundária/3 de Carregal do Sal.
Artigo de http://correiodaeducacao.asa.pt/54845.html
Os realces são meus.
Carla Marques*
Numa altura em que vivemos rodeados pelo pragmatismo e pelo imediatismo questionamo-nos muitas vezes sobre a utilidade de certos conhecimentos, cuja aquisição não produz efeitos imediatos e visíveis. Sempre em busca de um ensino de tipo hedonista, muitos alunos reagem de forma diferente a actividades e conteúdos distintos, evidenciando o seu gosto por zonas de aprendizagem associadas ao consumo rápido, à resposta instantânea e manifestando o seu desprezo pelos conhecimentos sem “aplicação ao mundo real”. De forma mais ou menos consciente, o ensino adapta-se em muitas das suas vertentes a esta realidade que nos envolve, relegando para segundo plano a aprendizagem construída a longo prazo, os conhecimentos entrelaçados que resultam do esforço cognitivo e do trabalho pessoal. As manifestações deste novo enquadramento que se vem apoderando do ensino, mudando matrizes de aprendizagem e interferindo directamente nas práticas quotidianas encontram-se um pouco por todo o lado na escola portuguesa. Gostaríamos de destacar hoje a tecnologia.
As escolas têm vindo a apetrechar-se de centenas de quadros interactivos e de projectores, cuja utilização é, não raro, duvidosa. Funcionam muitas vezes como quadro branco de projecção de imagem, exactamente como acontecia com as “velhinhas” telas de projecção. Noutros casos, enchem-se de imagens que terão como intuito motivar os alunos, mas que, em grande maioria, apenas contribuem para uma atitude cognitivamente apática: são bonecos que explicam os mistérios do corpo humano, equações que se completam sozinhas, textos que se lêem a si próprios, exercícios truncados que se auto-corrigem. Os alunos ali ficam como se estivessem a assistir a um programa de televisão ou em frente do ecrã do seu computador. A postura activa e a autonomia coarctam-se.
Bem sabemos que esta visão do fenómeno tecnológico poderá invocar as posições dos “velhos do Restelo” do ensino, mas também estamos cientes de que muito frequentemente necessitamos de atingir os extremos, tocar o exagero para reencontrar o equilíbrio necessário. Falta construir a ponte entre a inovação e a tradição. E no contexto do ensino há uma realidade que se tem mantido inquestionável ao longo dos séculos: aprender exige esforço e dedicação. A consolidação do saber e o seu aprofundamento alia-se estreitamente ao factor tempo.
Urge, no actual contexto do ensino, construir um novo paradigma que apague os excessos do presente e recupere as lições do passado. No ensino, as ferramentas tecnológicas nunca poderão ser um fim em si próprias, serão tão-somente um meio. A alienação e a superficialidade que estas introduzem no mundo escolar terão de ser repensadas e todas as suas potencialidades colocadas ao serviço do verdadeiro objectivo de um sistema de ensino: a formação de adultos competentes, conhecedores, capazes de construir o seu saber e de o gerir em função das suas necessidades.
Enquanto a Escola viver deslumbrada com as luzes do progresso, será este a subjugá-la e não o contrário, como seria conveniente.
*Carla Marques - Mestre em Linguística e doutoranda na mesma área; autora de várias publicações de carácter didáctico e de carácter linguístico: docente na Escola Secundária/3 de Carregal do Sal.
Artigo de http://correiodaeducacao.asa.pt/54845.html
Os realces são meus.
terça-feira, 2 de fevereiro de 2010
Aumento de impostos
É engraçado, embora sem graça nenhuma, ver ministros, primeiros e segundos, governadores de bancos, primeiro e segundos, reputados economistas e outros catedráticos seja lá do que fôr, apregoar que os impostos devem aumentar, que os salários devem ser congelados, quando não diminuídos, etc. etc.
Todos estes senhores mais não fazem do que governar com o dinheiro dos outros, ou seja com o nosso dinheiro. Eu tenho a certeza que também sei governar com dinheiro que não é meu...
Quando essa gente, para dar o exemplo, prescindir dos seus ordenados (a começar pelo mal pago Vítor Constâncio!) ou de grande parte deles, eu acreditarei que todos queremos sair desta bodega em que alguém nos colocou, mas sem nunca ter sido responsabilizado por isso e em que ninguém, até agora, soube sair dela, passeando alegremente e imputando culpas à crise internacional, ao petróleo, ao Bin Laden e ao Carvalhal que hoje pôs o Sporting a perder 5-2...
Todos estes senhores mais não fazem do que governar com o dinheiro dos outros, ou seja com o nosso dinheiro. Eu tenho a certeza que também sei governar com dinheiro que não é meu...
Quando essa gente, para dar o exemplo, prescindir dos seus ordenados (a começar pelo mal pago Vítor Constâncio!) ou de grande parte deles, eu acreditarei que todos queremos sair desta bodega em que alguém nos colocou, mas sem nunca ter sido responsabilizado por isso e em que ninguém, até agora, soube sair dela, passeando alegremente e imputando culpas à crise internacional, ao petróleo, ao Bin Laden e ao Carvalhal que hoje pôs o Sporting a perder 5-2...
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Vítor Constâncio
segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010
O fim da linha
"Posso não estar de acordo com o que dizes, mas luto para que o possas dizer" (frase encontrada na Amnistia Internacional)
A ser verdade e eu acredito que sim, este episódio traduz, mais uma vez, o carácter de José Sócrates e do seu aparelho partidário. Simplesmente lamentável. Sublinho e realço:"Que perigosa palhaçada"!
Zé da Silva
===============================
Mário Crespo denunciou hoje (01-02-2010), num artigo que se encontra publicado no site do Instituto Francisco Sá Carneiro, ter sido alvo de conversas hostis por parte de três membros do Governo, de José Sócrates, Jorge Lacão e Silva Pereira.
Este artigo foi originalmente redigido para ser publicado hoje na imprensa. José Manuel Fernandes, ex-director do Público, publicou hoje no Facebook que este era um artigo para ter saído no Jornal de Noticias, mas o director não deixou.
Vê aqui: http://www.institutosacarneiro.pt/?idc=509&idi=2500
ou lê aqui:
O Fim da Linha
Mário Crespo
Terça-feira dia 26 de Janeiro. Dia de Orçamento. O Primeiro-ministro José Sócrates, o Ministro de Estado Pedro Silva Pereira, o Ministro de Assuntos Parlamentares, Jorge Lacão e um executivo de televisão encontraram-se à hora do almoço no restaurante de um hotel em Lisboa.
Fui o epicentro da parte mais colérica de uma conversa claramente ouvida nas mesas em redor. Sem fazerem recato, fui publicamente referenciado como sendo mentalmente débil (“um louco”) a necessitar de (“ir para o manicómio”). Fui descrito como “um profissional impreparado”.
Que injustiça. Eu, que dei aulas na Independente. A defunta alma mater de tanto saber em Portugal. Definiram-me como “um problema” que teria que ter “solução”.
Houve, no restaurante, quem ficasse incomodado com a conversa e me tivesse feito chegar um registo. É fidedigno. Confirmei-o. Uma das minhas fontes para o aval da legitimidade do episódio comentou (por escrito): “(…) o PM tem qualidades e defeitos, entre os quais se inclui uma certa dificuldade para conviver com o jornalismo livre (…)”. É banal um jornalista cair no desagrado do poder.
Há um grau de adversariedade que é essencial para fazer funcionar o sistema de colheita, retrato e análise da informação que circula num Estado. Sem essa dialéctica só há monólogos. Sem esse confronto só há Yes-Men cabeceando em redor de líderes do momento dizendo yes-coisas, seja qual for o absurdo que sejam chamados a validar. Sem contraditório os líderes ficam sem saber quem são, no meio das realidades construídas pelos bajuladores pagos. Isto é mau para qualquer sociedade.
Em sociedades saudáveis os contraditórios são tidos em conta. Executivos saudáveis procuram-nos e distanciam-se dos executores acríticos venerandos e obrigados. Nas comunidades insalubres e nas lideranças decadentes os contraditórios são considerados ofensas, ultrajes e produtos de demência. Os críticos passam a ser “um problema” que exige “solução”.
Portugal, com José Sócrates, Pedro Silva Pereira, Jorge Lacão e com o executivo de TV que os ouviu sem contraditar, tornou-se numa sociedade insalubre.
Em 2010 o Primeiro-ministro já não tem tantos “problemas” nos media como tinha em 2009.
O “problema” Manuela Moura Guedes desapareceu.
O problema José Eduardo Moniz foi “solucionado”.
O Jornal de Sexta da TVI passou a ser um jornal à sexta-feira e deixou de ser “um problema”.
Foi-se o “problema” que era o Director do Público.
Agora, que o “problema” Marcelo Rebelo de Sousa começou a ser resolvido na RTP, o Primeiro
Ministro de Portugal, o Ministro de Estado e o Ministro dos Assuntos Parlamentares que tem a tutela da comunicação social abordam com um experiente executivo de TV, em dia de Orçamento, mais “um problema que tem que ser solucionado”. Eu.
Que pervertido sentido de Estado. Que perigosa palhaçada.
Nota: Artigo originalmente redigido para ser publicado hoje (1/2/2010) no Jornal de Notícias. O director deste diário não gostou. Mário Crespo deixou de lá escrever.
A ser verdade e eu acredito que sim, este episódio traduz, mais uma vez, o carácter de José Sócrates e do seu aparelho partidário. Simplesmente lamentável. Sublinho e realço:"Que perigosa palhaçada"!
Zé da Silva
===============================
Mário Crespo denunciou hoje (01-02-2010), num artigo que se encontra publicado no site do Instituto Francisco Sá Carneiro, ter sido alvo de conversas hostis por parte de três membros do Governo, de José Sócrates, Jorge Lacão e Silva Pereira.
Este artigo foi originalmente redigido para ser publicado hoje na imprensa. José Manuel Fernandes, ex-director do Público, publicou hoje no Facebook que este era um artigo para ter saído no Jornal de Noticias, mas o director não deixou.
Vê aqui: http://www.institutosacarneiro.pt/?idc=509&idi=2500
ou lê aqui:
O Fim da Linha
Mário Crespo
Terça-feira dia 26 de Janeiro. Dia de Orçamento. O Primeiro-ministro José Sócrates, o Ministro de Estado Pedro Silva Pereira, o Ministro de Assuntos Parlamentares, Jorge Lacão e um executivo de televisão encontraram-se à hora do almoço no restaurante de um hotel em Lisboa.
Fui o epicentro da parte mais colérica de uma conversa claramente ouvida nas mesas em redor. Sem fazerem recato, fui publicamente referenciado como sendo mentalmente débil (“um louco”) a necessitar de (“ir para o manicómio”). Fui descrito como “um profissional impreparado”.
Que injustiça. Eu, que dei aulas na Independente. A defunta alma mater de tanto saber em Portugal. Definiram-me como “um problema” que teria que ter “solução”.
Houve, no restaurante, quem ficasse incomodado com a conversa e me tivesse feito chegar um registo. É fidedigno. Confirmei-o. Uma das minhas fontes para o aval da legitimidade do episódio comentou (por escrito): “(…) o PM tem qualidades e defeitos, entre os quais se inclui uma certa dificuldade para conviver com o jornalismo livre (…)”. É banal um jornalista cair no desagrado do poder.
Há um grau de adversariedade que é essencial para fazer funcionar o sistema de colheita, retrato e análise da informação que circula num Estado. Sem essa dialéctica só há monólogos. Sem esse confronto só há Yes-Men cabeceando em redor de líderes do momento dizendo yes-coisas, seja qual for o absurdo que sejam chamados a validar. Sem contraditório os líderes ficam sem saber quem são, no meio das realidades construídas pelos bajuladores pagos. Isto é mau para qualquer sociedade.
Em sociedades saudáveis os contraditórios são tidos em conta. Executivos saudáveis procuram-nos e distanciam-se dos executores acríticos venerandos e obrigados. Nas comunidades insalubres e nas lideranças decadentes os contraditórios são considerados ofensas, ultrajes e produtos de demência. Os críticos passam a ser “um problema” que exige “solução”.
Portugal, com José Sócrates, Pedro Silva Pereira, Jorge Lacão e com o executivo de TV que os ouviu sem contraditar, tornou-se numa sociedade insalubre.
Em 2010 o Primeiro-ministro já não tem tantos “problemas” nos media como tinha em 2009.
O “problema” Manuela Moura Guedes desapareceu.
O problema José Eduardo Moniz foi “solucionado”.
O Jornal de Sexta da TVI passou a ser um jornal à sexta-feira e deixou de ser “um problema”.
Foi-se o “problema” que era o Director do Público.
Agora, que o “problema” Marcelo Rebelo de Sousa começou a ser resolvido na RTP, o Primeiro
Ministro de Portugal, o Ministro de Estado e o Ministro dos Assuntos Parlamentares que tem a tutela da comunicação social abordam com um experiente executivo de TV, em dia de Orçamento, mais “um problema que tem que ser solucionado”. Eu.
Que pervertido sentido de Estado. Que perigosa palhaçada.
Nota: Artigo originalmente redigido para ser publicado hoje (1/2/2010) no Jornal de Notícias. O director deste diário não gostou. Mário Crespo deixou de lá escrever.
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