1.
[...]
Foi uma peregrinação que durou três dias cheios de acontecimentos, cuja
significação profunda e decisiva para o futuro passou quase despercebida.
Começo pelo contraste complementar entre as declarações fervorosas sobre o
Islão – a não confundir com as organizações que o invocam para matar em nome de
Deus - e o apelo veemente aos dirigentes religiosos e políticos muçulmanos para
que se unam na denúncia clara e pública desses crimes e ameaças.
A Turquia é a fronteira de muitas fronteiras políticas, religiosas e
cristãs. Bergoglio não foi lá dar lições a ninguém. Foi encorajar os que
procuram caminhos de paz no Medio Oriente, intensificar o diálogo
inter-religioso e revigorar a proximidade católica com o mundo cristão da
Ortodoxia.
Era conduzido pelo desejo de congregar as energias de todas as pessoas de
boa vontade, daquelas que vêem o mundo a partir do rosto das vítimas da
violência, dos pobres e dos excluídos e que não aceitam esta vergonha como uma
fatalidade.
2. Depois de se referir ao horror da islamofobia, da cristianofobia e de
realçar a importância do diálogo inter-religioso, ele próprio explicou a alma
da sua viagem:
Eu fui à Turquia e fui como peregrino, não como turista.
De facto, o que me levou, o motivo principal, foi a festa de hoje: fui
precisamente para a partilhar com o Patriarca Bartolomeu; foi um motivo
religioso. Depois, quando fui à Mesquita, não podia dizer: "Não! Agora sou
turista!" Isto não; era tudo religioso. E vi aquela maravilha! O mufti
explicava-me bem as coisas, com tanta serenidade e mesmo com o Alcorão, onde se
falava de Maria e de João Baptista, explicava-me tudo... Naquele momento, senti
necessidade de rezar. E disse: "Rezamos um bocado?" "Sim,
sim!" – disse ele. E rezei… pela Turquia, pela paz, pelo mufti... por
todos... por mim, que bem preciso... Rezei verdadeiramente. E, sobretudo, rezei
pela paz. Disse: "Senhor, acabemos com a guerra!" Assim mesmo. Foi um
momento de oração sincera.
3. Ao participar na Oração Ecuménica, na Sede do Patriarcado Ortodoxo, no
dia da festa de Santo André, fez e disse algo, que irritou os fanáticos da
superioridade católica e à qual as outras igrejas se deveriam render: “(...)
André e Pedro eram irmãos de sangue, mas o encontro com Cristo transformou-os
em irmãos na fé e na caridade. E nesta noite jubilosa, nesta oração de vigília,
quero, sobretudo, dizer: irmãos na esperança.
Que grande graça, diz Francisco a Bartolomeu, poder ser irmãos na esperança
do Senhor Ressuscitado! Que grande graça – e que grande responsabilidade –
poder caminhar juntos nesta esperança, sustentados pela intercessão dos Santos
irmãos Apóstolos, André e Pedro! Saber que esta esperança comum não desilude:
está fundada - não sobre nós e as nossas pobres forças – mas sobre a fidelidade
de Deus.
Com esta jubilosa esperança, transbordante de gratidão e trepidante
expectativa, formulo a Vossa Santidade, a todos os presentes e à Igreja de
Constantinopla os meus votos cordiais e fraternos pela festa do Santo
Patrono. E peço um favor: de nos abençoar, a mim e à Igreja de Roma.
Um milénio entre este pedido de bênção e o envio de uma excomunhão papal!
Com este espírito, não era difícil que, no final da Divina
Liturgia, de Domingo, o Patriarca Bartolomeu e o Papa assinassem uma Declaração
Comum de empenhamento em superar os obstáculos que dividem estas
Igrejas.
Não é uma Declaração para servir as respectivas “sacristias”, mas para
colocar as duas Igrejas no horizonte das suas responsabilidades no mundo,
escutando as suas vozes:
- a voz dos pobres, que pedem uma ajuda material necessária em muitas circunstâncias, mas sobretudo que os ajudemos a defender a sua dignidade de pessoas humanas e a lutar contra as causas estruturais da pobreza;
- a voz das vítimas dos conflitos, em diversas partes do mundo - conflitos, muitas vezes entre grupos religiosos; a voz dos jovens, que vivem sem esperança, dominados pelo desânimo e resignação e que vão buscar a alegria apenas à posse de bens materiais e na satisfação das emoções do momento.
Devemos encorajar as multidões de jovens,
ortodoxos, católicos e protestantes, que se reúnem em Taizé, apressando o
momento da unidade de todos.
Na Catedral Católica, o Papa sublinhou a nossa permanente tentação de
resistir ao Espírito Santo, porque ele perturba, revolve, faz caminhar e incita
a Igreja a avançar. É sempre mais fácil e confortável acomodarmo-nos nas
posições estáticas e inalteradas. Na realidade, a Igreja mostra-se fiel ao
Espírito Santo, quando desiste de o regular e domesticar e afasta a tentação de
só olhar para si própria.
Nós, cristãos, tornamo-nos autênticos discípulos
missionários, capazes de interpelar as consciências, se abandonarmos um estilo
defensivo para nos deixamos conduzir pelo Espírito. Ele é frescura,
criatividade, novidade.
O diagnóstico das 15 doenças do Vaticano só pode vir de quem se incomoda e
não se acomoda. Bom Ano!
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