O governo Passos Coelho faltou à verdade: os portugueses aguentam?
1. A semana de Páscoa foi a pior semana para o governo Passos Coelho/Miguel Relvas desde que iniciou funções. Até então, o governo anunciava as (duríssimas!) medidas de austeridade, sob o pretexto do estado de necessidade nacional: seriam um mal menor para repor o equilíbrio das contas públicas e, consequentemente, garantir a sustentabilidade da nossa ditosa Pátria. E os portugueses perceberam: as sondagens têm sido particularmente agradáveis para Passos Coelho e seus colegas de governo (refira-se que para tal muito tem contribuído a monumental incompetência de António José Seguro na liderança do PS!).
1.1. Ironia das ironias, a semana da comemoração da ressurreição de Nosso Senhor Jesus Cristo poderá ter marcado um momento de viragem para o executivo: o seu "estado de graça" terminou. A paciência dos portugueses esgotou-se. A sorte de Passos Coelho mudou: não mais complacência para com os ziguezagues governativos, para com o constante pedido de sacrifícios aos portugueses (aos mesmos de sempre!) sem a observância de critérios de equidade social. Porquê?
Porque para ultrapassar as dificuldades económico-financeiras originadas pela pornográfica incompetência e inabilidade política dos sucessivos governos, nós, portugueses, precisamos de sentir que quem nos dirige fala a verdade. Joga limpo: não esconde cartas para jogar mais tarde, não sonega informação para evitar que os cidadãos possam exercer livremente os seus direitos, não utiliza em vão o argumento dos condicionalismos impostos pela ajuda externa para impor uma agenda ideológica pseudo-liberal que não tem a coragem de assumir. As declarações e as atrapalhações do ministro das Finanças na semana passada, no Parlamento, sobre o âmbito temporal do corte dos subsídios de férias e Natal só podem ser qualificadas como um escândalo. Uma nódoa que marcou e marcará o Governo: persegui-lo-á para sempre. Para ajudar à festa, o próprio Primeiro-ministro anda completamente desorientado na matéria: já disse que os subsídios serão repostos em 2013; que, afinal, poderão regressar apenas gradualmente; que não regressarão, distribuindo-se pelos 12 meses de salário. Uma confusão. Mais uma prova da inconsistência do governo Passos Coelho.
2. Posto isto, por que razão o governo se deixou enredar por esta teia de declarações e desmentidos e contradições? Por três motivos. Vejamos:
i) Passos Coelho quer ser o menino querido de Angela Merkel. Para tal, tem de ser mais merkista do que a própria Merkel: as medidas de austeridade são para durar, não porque representam o cumprir de um programa de entendimento celebrado com instâncias internacionais, mas sim porque consubstanciam a mudança de um paradigma. De uma virar de página no modelo de sociedade para Portugal. De certeza que Passos Coelho e Vítor Gaspar, ainda em 2011, garantiram a Merkel e aos responsáveis políticos alemães que o fim dos subsídios era definitivo. Não mais voltariam nos mesmos moldes. Ao mesmo tempo que o governo afirmava perante os portugueses que se tratava de uma medida temporária, para durar apenas enquanto vigorasse o programa de ajuda financeira. É inacreditável como Passos Coelho gosta de enfiar barretes aos portugueses com a maior das tranquilidades! Quem não deve, não teme: por que razão o governo mente aos portugueses? Por que esconde o jogo?
ii)Passos Coelho ao introduzir a questão vai preparando psicologicamente os portugueses para a realidade de não mais poderem contar com os subsídios de férias e Natal. É que o governo tem perfeita consciência de que prometeu o regresso das referidas prestações em 2013 - e que tal não acontecerá evidentemente. Assim, para não ser acusado de faltar à verdade e conter os danos políticos do anúncio do fim definitivo, Passos Coelho adverte já os portugueses de que, afinal, os subsídios pertencem ao passado. É que em 2013 começa um longo ciclo eleitoral e Passos Coelho não quer ser acusado de mentir...
iii) Passos Coelho pretende congregar o apoio dos empresários e do patronato. A solução que o governo adoptará será a distribuição dos subsídios pelos doze meses: mas esta solução só funcionará na teoria. É que na prática - a não existirem limites mínimos legais - os patrões vão subir irrisoriamente os salários mensais! Na prática, os trabalhadores ou perdem a totalidade dos subsídios ou ganham pequenas "migalhas" mensais...Politicamente, Passos Coelho ganha entre os patrões.
3. Por último, refira-se que a confissão de Passos Coelho foi uma enorme inabilidade (ou burrice) política. Desde logo, pelo seguinte: um grupo de deputados do PS suscitou o controlo da sua constitucionalidade pelo Tribunal Constitucional. Ora, o argumento invocado por alguns juristas para defender a sua conformidade com a Constituição era o do estado de emergência do país. Pois bem, com o anúncio de Passos Coelho de que o corte será definitivo, como decidirá o Tribunal Constitucional? Que argumentos poderá utilizar para deixar o diploma passar no crivo de constitucionalidade? Convenhamos que o Tribunal está agora numa posição muito delicada...
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