segunda-feira, 28 de novembro de 2011

A rua e as responsabilidades

(DN)



1. Agora já só não percebe quem não quer: a crise portuguesa não tem um réu apenas. Os responsáveis são muitos - e os principais foram primeiros-ministros, chegaram a Presidentes da República, foram cooptados pela Europa ou pelas Nações Unidas. Apenas um anda de férias neste exacto momento.

Desse pecado, que se estende por mais de 20 anos, podemos apenas isentar Jorge Sampaio (oriundo da Câmara de Lisboa) e, por enquanto ainda, Pedro Passos Coelho.

De resto, eles tornaram-se o símbolo de um país que se habituou a viver acima das possibilidades, se endividou ao ponto de um ano de trabalho já não dar para pagar a colossal dívida e conseguiu a horripilante proeza de ter défice em todos os anos que leva de participação na Zona Euro. Pelo meio foi até, sobretudo durante o cavaquismo, um manso e obediente parceiro das políticas europeias, abatendo a frota pesqueira e reduzindo a capacidade agrícola. Tudo sem pestanejar, a troco do dinheiro para o betão e os negócios.




Todos esses homens (agora muito preocupados com as desigualdades, o empobrecimento, o desemprego, a economia em recessão) são, individualmente considerados, excelentes pessoas e, alguns, intelectuais de valor à escala global. Mas nenhum teve a lucidez política, e a coragem, para ir saneando as contas públicas. Isso só foi feito antes em duas alturas, como agora com os credores à porta, porque ganhar eleições se tornou um miserável desporto em que vale tudo - e daí nem Passos Coelho sai limpo. Entre o que disse, e prometeu, na campanha eleitoral e as políticas que vai promovendo no cumprimento fiel do memorando de entendimento com o credores internacionais não há, em muitas das vezes, qualquer ponto de contacto. Infelizmente, nesse particular nada o distingue do triste consulado anterior.

2. A greve geral desta semana foi a mais pacífica e bem aceite desde o 25 de Abril. Do ponto de vista dos "trabalhadores" (aceitando a divisão que a CGTP há muito pratica) há razões para o protesto - a que se colaram quase todos os homens que governaram Portugal até hoje. Cavaco anda muito preocupado, e com ele Ferreira Leite. Soares idem, à frente dos socialistas da terceira via. Sampaio também disse qualquer coisa. Mesmo Durão Barroso, em cerimónia apropriada, veio fazer críticas à falta de verbas para a educação, a ciência e a cultura, aos cortes no "saber". De repente, todos descobriram as virtudes do "diálogo" e reivindicam obviamente empregos e "estímulos" para a economia funcionar.

O problema está em que nenhum destes homens tem um plano alternativo e de palavras ocas se foi moldando o terrível caminho que temos pela frente.

Neste preciso momento a principal tarefa do País é cumprir perante quem nos emprestou o dinheiro, de que dependemos em absoluto; e trabalhar, ao mesmo tempo que se remodela o Estado Social que toda a Europa vai ter de reinventar enquanto decide se quer ou não fazer frente à especulação dos mercados.

3. O que se deve pedir a Passos Coelho, neste momento crítico da União Europeia, e não só da Zona Euro, é que deixe de ser uma extensão fiel da vontade da Alemanha e de Angela Merkel. Quando em Espanha já se coloca a possibilidade de um resgate internacional, a crise italiana segue o seu caminho e se multiplicam os sinais de intranquilidade um pouco por toda a parte, o Governo português deve bater-se por um quadro de ajustamento capaz de nos evitar a recessão que agora as agências de notação também penalizam. Isso deve ser feito com discrição, longe da arena da opinião pública, mas tem de ser um objectivo forte. Ou temos isso ou, como na Grécia e em Itália, iremos precisar, tarde ou cedo durante esta legislatura, de um governo de salvação nacional. Como isto está, a rua irá em crescendo no próximo ano e dificilmente os votos chegarão para tudo. A Democracia, infelizmente, muda muito em tempos de necessidade.

António José Seguro tem feito uma boa oposição. Marcado pelo acordo que Sócrates liderou e pelas responsabilidades do PS nos últimos seis anos, fez bem em não escutar os "indignados" do seu partido. Agora, depois de viabilizar o orçamento, fica com o terreno aberto para passar à oposição de facto. Tem diante dele a missão, importante para a Democracia portuguesa, de ser o fiel da balança entre a contestação da rua e as políticas da troika.

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