sábado, 10 de março de 2012

É bom não existir

(André Macedo - DN)

  • As esquadras não têm tinteiros para emitir certidões de acidentes e têm centenas de carros avariados à porta.
  • Os campos de ténis do Estádio do Jamor deixaram de ter manutenção.
  • Há universidades a dispensar professores às pazadas: de um momento para o outro, rua com eles.

Nenhuma área é poupada.

No início desta semana, depois de se saber que há um número invulgar de mortos este ano, faltaram compressas no Hospital Garcia de Orta. Compressas!
Um dia destes faltará Betadine, algodões, oxigénio.

Exemplos há muitos, com maior ou menor gravidade, e muito mais haveria se tentássemos averiguar o que está a acontecer em tudo o que depende do Estado para sobreviver e respirar.

Institutos e serviços públicos vazios, alas inteiras desertas, espaços sem vivalma onde há máquinas e aparelhos caros e recentes, todos eles desligados e em silêncio. Ganham pó.
É um cenário incrível que não é mais conhecido porque os poucos que ainda vegetam nestes sítios querem passar despercebidos. São fantasmas em cenários fantasmagóricos. Não querem chamar a atenção do ministro, do secretário de Estado, do diretor-geral, todos eles convertidos em comissários das Finanças. Estes milhares de pessoas querem tornar-se invisíveis. É essa a grande aspiração coletiva para 2012: não ser visto, não ser farejado, não ser contado, não existir.




Já não são pessoas, são excedentários. São custos e despesa pública a abater no matadouro orçamental.

O problema é que está tudo a acontecer demasiado depressa. Tudo é agora, já, imediatamente. Depois de anos a engordar, o Estado implodiu da noite para o dia. Não foi uma redução de velocidade, não foi uma travagem progressiva, embora rápida - isso seria digerível e recomendável. Foi uma paragem total e radical.

Tão radical como antes tinha sido o endividamento socialista. Nos dois casos, entre PS e PSD/CDS, a mesma cegueira, o mesmo isolamento de quem decide e se acha mais certo do que os outros. A mesma impaciência, embora em polos opostos. Quem observou Passos ontem no Parlamento não pode ter deixado de rever José Sócrates há apenas uns meses. Impressionante.

O atual primeiro-ministro insiste que tem de cumprir o acordo. É verdade: tem mesmo. Mas seria bom que tivesse alguma iniciativa e não se limitasse a fazer de gestor de falências.

A única política pública para promover o emprego conhecida até hoje virá de Bruxelas. Foi ideia de Durão. Não foi Passos que a exigiu ou sequer sugeriu. Porquê? Não se trata de estar sempre a debater se devemos pedir mais dinheiro ou mais tempo à troika. A vida não se faz só de grandes questões. Trata-se de ir abrindo portas, pequenas que sejam, que ajudem as pessoas a encontrar algum espaço para fazer o inevitável ajustamento. Ajustar não é esmagar.

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